Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 18, 2009

As lições trazidas pela crise mundial

As lições da crise

Com o apoio de VEJA e da FGV, economistas debatem os
ensinamentos trazidos pelo colapso das finanças mundiais


Giuliano Guandalini

Fotos Diego Val
DEBATE Auditório da FGV no Rio, onde ocorreu o encontro: para economistas, havia confiança de sobra e falta de regulação nos mercados financeiros

Na sequência dos debates comemorativos dos seus 40 anos, completados em setembro pas-sado, VEJA reuniu, na última terça-feira, dois dos maiores professores de economia do país. De um lado, o consultor Affonso Celso Pastore, e, de outro, Aloisio Araújo, o economista brasileiro com mais trabalhos acadêmicos publicados no exterior. O seminário propiciou análises complementares: Pastore desenvolveu as questões macroeconômicas, como juros e política fiscal, enquanto Araújo enfatizou aspectos microeconômicos, entre eles os sistemas regulatórios e as reformas institucionais. Após o debate, que ocorreu na Fundação Getulio Vargas do Rio, houve uma palestra do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Foi uma verdadeira aula sobre o que deu errado nas finanças mundiais, seus efeitos no Brasil e como superar a crise mais severa desde a Grande Depressão da década de 30. A seguir, trechos dos principais assuntos discutidos.

A BOLHA

Aloisio Araújo "Robert Shiller, de Yale, havia alertado para o risco de o preço das casas sofrer uma desvalorização de 20% a 30% nos Estados Unidos. Outros economistas fizeram simulações e perceberam que, se houvesse uma desvalorização dessa magnitude, muitos bancos ficariam inadimplentes. Era o cálculo que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) não fez. Foi uma falha regulatória muito grande."

Affonso Celso Pastore "Nos últimos quinze anos, a volatilidade nas taxas de crescimento e na inflação foi bastante baixa nos países desenvolvidos. Isso trouxe um ambiente de riscos econômicos reduzidos, induzindo o sistema bancário a adquirir posições extremamente alavancadas. Essas posições são ótimas quando os mercados estão subindo, porque multiplicam os lucros, mas são péssimas quando os mercados estão em queda, porque multiplicam os prejuízos. Os economistas, por sua vez, imaginavam que haviam dominado as técnicas para evitar uma crise dessas proporções."

"Tudo leva a crer que a crise será longa. Por outro lado, a reação das políticas econômicas coordenadas dos países tem sido vigorosa. Essa ação começa a dar sinais de sucesso. Mas alguns países vão demorar a se recuperar."
AFFONSO CELSO PASTORE
Consultor, ex-presidente do Banco Central e professor da FGV Rio

CONTÁGIO

Henrique Meirelles "A crise se agravou com o colapso do banco de investimentos americano Lehman Brothers, em setembro de 2008. Descobriu-se que não havia provisão legal para que o governo americano pudesse socorrer ou liquidar um banco de investimentos. Era um banco grande e de grande importância para o sistema. O seu colapso elevou o risco sistêmico, trazendo grandes prejuízos aos bancos. Então, os juros bancários subiram em todo o mundo."

Pastore "A economia brasileira como um todo é fechada, mas a indústria do país não. As cadeias produtivas possuem um grau elevado de integração internacional. Quando ocorre um choque de queda na demanda mundial, isso pega a indústria brasileira."

LIBERALISMO DEMAIS

Araújo"Gosto de comparar o (americano Milton) Friedman com o (austríaco Friedrich von) Hayek. Friedman era um liberal, sem dúvida, mas, do ponto de vista financeiro, tinha medo de uma liberalização excessiva. Defendia um sistema muito regulado. O mundo caminhou no sentido do liberalismo, o que foi ótimo em diversos aspectos, mas nas finanças houve exageros. Hayek, de alguma maneira, foi patrono disso. Alan Greenspan (ex-presidente do Fed) foi aluno de discípulos de Hayek. Hoje, curiosamente, o mundo acadêmico americano nem estuda mais esses autores, está mais focado nas imperfeições dos mercados."

"As políticas econômicas tradicionais – fiscal e monetária – já estão perto do limite. A saída para a crise passa pelo avanço no arcabouço regulatório. Se houver esse aprimoramento institucional, a confiança poderá ser restabelecida."
ALOISIO ARAÚJO
Matemático, economista e professor da FGV Rio

EFEITO CÍCLICO

Meirelles "O mercado de crédito tem uma característica procíclica. Quando há crescimento, os bancos ganham dinheiro, emprestam mais, aumentam o seu capital e emprestam ainda mais. Depois de uma crise, eles perdem capital, o que os leva a contrair fortemente o crédito. É preciso tentar reverter esse quadro. Estão sendo analisadas algumas medidas nesse sentido, como aumentar as provisões bancárias em períodos de crescimento acelerado."

REAÇÃO NO BRASIL

Pastore "No Brasil, sempre que ocorria uma turbulência, havia uma desvalorização cambial que obrigava o governo a cortar gastos e aumentar os impostos, e o Banco Central tinha de elevar os juros para impedir o aumento da inflação. O Brasil avançou uma enormidade nos últimos anos. Foram feitas reformas importantíssimas. Por isso, o país pode hoje ter políticas contracíclicas, como a redução dos juros. Mas o governo não sabe aumentar os gastos de maneira eficiente. É preciso fazer ajustes fiscais."

Araújo "Seria importante avançar nas reformas trabalhista e tributária. Essas medidas tornariam a economia mais eficiente e contribuiriam para a queda de juros. Houve avanços importantes, como no caso da Lei de Falências. Mas ainda há muito espaço para evoluir."

Desta vez, a crise não é nossa

Rafael Andrade/Folha Imagem

A América Latina é uma vítima inocente da crise mundial. Essa foi uma das principais conclusões dos diversos debates promovidos pela quarta edição latino-americana do Fórum Econômico Mundial, ocorrida na semana passada, no Rio de Janeiro. Segundo os economistas, políticos e empresários que participaram do encontro, as nações da América Latina importaram uma turbulência que eclodiu no mundo rico, sem que tivessem ligação direta com suas causas. O lado positivo é que essa onda recessiva atinge a região com menos virulência que em outros tempos, um mérito dos avanços institucionais conquistados depois das crises passadas.

"Não estamos aqui enfrentando o tipo de desafio visto em outros países. Não temos o tipo de bolha de alavancagem financeira que vemos em outros lugares. Portanto, não devemos buscar as mesmas reações que os países do G-7", destacou o economista Armínio Fraga, sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do BC. A maior falha em repetir a fórmula dos países ricos estaria no aumento irresponsável dos gastos públicos, alertou Fraga. O diretor para área de desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Javier Santiso, acrescentou que essa nova atitude ajudaria a atenuar o sofrimento dos desempregados e dos mais pobres. "Não se trata necessariamente de gastar mais, mas de gastar de forma mais eficiente e mais justa", afirmou Santiso.

Entre os latino-americanos, o Brasil ocupa posição de destaque e deve liderar a recuperação. O estrategista para mercados globais da Accenture, Mark Spelman, elogiou a saúde financeira do país. "A economia brasileira vai bem", disse ele. O presidente do conselho de administração do Itaú-Unibanco, Pedro Moreira Salles, ressaltou o importante papel das instituições financeiras para a solidez do país. "O sistema bancário nacional está bem preparado para voltar ao mercado de crédito assim que esta crise passar", afirmou. Uma análise comum entre os participantes do encontro é que o Brasil, ao contrário de outras economias, possui espaço para continuar baixando os juros, pondo em prática, pela primeira vez em décadas, uma política monetária anticíclica.

O ex-secretário do Tesouro Nacional e atual secretário estadual de Fazenda do Rio, Joaquim Levy, defendeu a necessidade de, complementarmente, reduzir a burocracia na execução de projetos de infraestrutura e retomar as reformas institucionais. "Do contrário, corremos o risco de ficar para trás quando a economia mundial se recuperar", advertiu. Ressalvas à parte, o tom geral do encontro foi de confiança na capacidade de recuperação da economia brasileira. Com a palavra, Armínio Fraga: "Eu tendo para o otimismo. Creio que vamos sair da recessão no segundo semestre, mas não sei qual será a velocidade do crescimento".

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