O GLOBO
A política tem produzido um volume extravagante de fatos desalentadores nos últimos tempos. Nisso, a longa sessão do Senado em torno do senador Jarbas Vasconcelos foi um alento: o discurso e alguns dos apartes tinham o tom raro da sensatez simples e direta. O professor Bruno Speck, estudioso da corrupção, diz que ela pode ser detida com as políticas públicas certas.
A política tem produzido um volume extravagante de fatos desalentadores nos últimos tempos. Nisso, a longa sessão do Senado em torno do senador Jarbas Vasconcelos foi um alento: o discurso e alguns dos apartes tinham o tom raro da sensatez simples e direta. O professor Bruno Speck, estudioso da corrupção, diz que ela pode ser detida com as políticas públicas certas.
A informação acima de Speck é a boa notícia. A má notícia é que ele acha que essa construção institucional de barreiras à corrupção vai nos tomar 20 ou 30 anos. Bom, o Brasil levou 25 anos lutando contra a ditadura militar, e mais de 20 anos contra a superinflação. Nossos desafios são sempre de longo alcance. Boa seria a sensação de estar caminhando na direção certa.
Entrevistei o cientista político da Unicamp, Bruno Speck, e o economista político Alexandre Marinis, da Mosaico, sobre corrupção esta semana, para a Globonews. A ideia de fugir, no programa, do atormentado terreno da economia para o conturbado mundo da política surgiu depois de passar duas horas e 40 minutos ouvindo a sessão do Senado em que Jarbas Vasconcelos repetiu sua acusação de corrupção ao próprio partido, o PMDB, e disse verdades simples, como "o exercício da política não pode ser transformado num balcão de negócios".
Os apartes, um caso à parte. Foram da sinceridade de português de boa qualidade do senador Cristovam Buarque ao envergonhado e confuso protesto do senador Almeida Lima, da tropa de choque de Renan Calheiros. Uma ausência esteve presente todo o tempo, como se fossem aquelas fotos em que se recorta um dos fotografados: o recentemente eleito presidente do Senado, José Sarney, que não presidiu a sessão.
Os que foram autênticos ao falar contra a corrupção pediram mudanças: uma reforma política, mudanças na formulação e execução do Orçamento, descentralização federativa. O que realmente funciona?
Bruno Speck me disse, no programa, que não acredita no financiamento público exclusivo de campanha como remédio para os males da corrupção. Acha difícil um financiamento que seja exclusivamente público, porque isso só incentivará o caixa dois. Prefere aperfeiçoar o sistema atual de transparência das contribuições legais feitas. Ele acha que esse "caixa um" é bem transparente, e pode ser acompanhado.
- O caminho mais viável é cumprir as regras em vigor - disse Speck.
Alexandre Marinis não acredita que o Congresso Nacional faça alguma reforma política. Na sessão do Senado, o senador Marco Maciel lembrou que ou se faz este ano, ou não poderá ser feita no ano que vem, que é eleitoral. O economista lembrou que o Congresso tem se enrolado há 10 anos em várias propostas de reformas, e, mesmo quando chega a consenso sobre uma medida correta, ela acaba derrubada, como aconteceu com a cláusula de barreira.
Marinis lembrou de uma pesquisa feita pelo Ibope, anos atrás, em que 82% disseram que achavam "grave e inaceitável" o uso de caixa dois na política, mas 29% disseram que fariam uso dela se fossem políticos, e esse percentual aumentava entre os de maior renda: 40% usariam caixa dois.
- Isso me fez lembrar de uma entrevista de João Ubaldo Ribeiro, que na época me deixou chocado, em que ele falava que o Brasil era um país corrupto. Hoje, tendo a concordar com ele - disse Marinis.
Speck admite que também tem essa impressão:
- Creio que sim, há muita corrupção no Brasil, mas o combate à corrupção surgiu nos últimos 15 anos na agenda nacional, indo para as primeiras páginas dos jornais. Isso é importante. Temos que nos acostumar que o combate à corrupção vai se dar através de adoção de políticas públicas durante 20, 30 anos. Foi assim que aconteceu nos países de democracia institucionalizada. O combate à corrupção será como a erradicação da pobreza, ou a proteção ao meio ambiente: será feito com uma série de políticas públicas, e não com uma reforma.
Um dos passos será mudar a forma de fazer e executar o Orçamento. Do jeito que está, é um horror. Ele é feito sem transparência, com aprovação negociada na base do tráfico das emendas parlamentares, engessado, não cumprido pelo Executivo que, além disso, cria despesas por medida provisória.
Alexandre Marinis acha que o Orçamento já é, hoje, uma batalha dos grupos organizados na lógica da "farinha pouca, meu pirão primeiro". Os de dentro do Estado assumiram uma fatia maior no governo Lula.
- Este foi o maior ciclo de reajuste para funcionários, que chegaram a receber até 142% de aumento, e foram contratados 200 mil servidores.
Ele disse que se o governo federal não tivesse comprometido tanto a sua renda com funcionários, teria muito mais agora para gastar com políticas para evitar a crise econômica. Mas nessas políticas, de novo, os poderosos estão ficando com a parte do leão. As isenções de impostos beneficiam as grandes empresas, mas não as pequenas, que criam mais empregos em seu conjunto.
As emendas de parlamentares deveriam ser suprimidas, disseram os dois especialistas. Tem sido uma fonte enorme de distorção. Há outras mudanças que podem ser feitas nos próximos anos para proteger o contribuinte dos males da corrupção. Existem duas ferramentas básicas: transparência e avaliação de políticas.