O GLOBO
Que a crise internacional não é uma simples "marola" já está demonstrado pela queda do resultado da produção industrial de janeiro em relação ao ano passado, e pelo consequente aumento do desemprego no país. Se o país vai ser o primeiro a sair da crise, como garante o Ministro da Fazenda nesse jogo de otimismo que o governo teima em fazer, isso veremos. As vantagens comparativas do Brasil em relação aos demais países, vistas dentro da crise, são os seus antigos defeitos no modelo econômico que agora está sendo necessariamente revisado. A condescendência do Estado brasileiro com o custo alto de um governo grande e intervencionista representa, pelo menos momentaneamente, uma garantia, como registrou recentemente a revista inglesa "The Economist", especialmente no campo financeiro, num mundo que está tendo que estatizar a economia para sair da crise.
Mas enquanto governos dos Estados Unidos e da Europa tratam a estatização como uma solução provisória e trabalham para salvar o capitalismo de seus excessos e desvios, o governo brasileiro a cada dia dá mais mostras de que considera que o modelo estatizante deve ser o objetivo final.
Mesmo com todos os equívocos que estão sendo cometidos no enfrentamento da crise internacional, há um "modelo brasileiro" que está em discussão no mundo, e que tem também vantagens comparativas reais, como a liderança na política de combustíveis alternativos.
Na semana passada, num programa da televisão holandesa, o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas no Rio, teve oportunidade de defender esse "modelo brasileiro", na comparação com os modelos de desenvolvimentos dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia.
Esta semana, o filósofo e historiador americano Jim Garrison, presidente do State of the World, uma ONG criada por Mikhail Gorbachev dedicada à preservação do meio ambiente, está no Brasil para convidar o presidente Lula a comparecer em novembro ao simpósio que realizará em Washington, onde pretende reuni-lo com o presidente americano Barack Obama e Al Gore no lançamento de um plano cujo objetivo ambicioso é, em dez anos, reverter a questão climática no mundo.
Ele quer organizar aqui a segunda reunião em 2010. A ideia é fazer uma conferência em uma cidade diferente nos próximos dez anos, "para chamar a atenção para esse enorme desafio", diz Garrison. Para ele, se não fizermos nada, as forças ecológicas podem sair definitivamente do nosso controle. "Estamos tentando fazer com que diversos governos do mundo trabalhem em conjunto, e achamos que o Brasil deve ser um dos líderes desse movimento", diz ele, levando em conta justamente a política de combustíveis alternativos como o biodiesel e as condições climáticas favoráveis também à energia solar e de ventos.
Neste momento, diz ele, Estados Unidos e Europa estão preocupados com a crise econômica, que acreditam que é uma crise no sistema, "mas eu estou convencido de que a realidade é que temos uma crise do sistema, e essa política de jogar milhões de dólares nos bancos não vai ter sucesso. A única maneira de lidar com a crise financeira é lidar com o aquecimento global".
No programa da televisão holandesa, numa discussão internacional sobre o próximo modelo econômico ("The Next Super Model"), o economista Marcelo Neri colocou para um "júri" de especialistas o que considera nossos pontos fortes. Segundo sua definição, o Brasil vem trilhando o que se pode chamar o caminho do meio, "nem tanto ao Estado, nem tanto ao mercado, combinando programas sociais com respeito às regras do mercado, com um governo grande, guloso e "generoso", mas sem ímpeto reformista".
Para ele, as reservas externas brasileiras funcionam como uma gordura a mais que pode ser queimada. Fora a pujança do mercado consumidor interno e do que classifica de "teimoso otimismo oficial", Marcelo Neri vê outros "fatores amortecedores dos impactos da crise externa no Brasil".
Ele lembra que, "apesar da abertura externa crescente e do crescimento do crédito recentes, o Brasil ainda se encontra pouco vulnerável a estes canais de transmissão", pois ainda somos uma economia relativamente fechada e regulada financeiramente. Ou seja, ressalta ele, o que era inépcia na fase de ouro mundial, passa a se tornar virtude em tempos magros.
"Nossa ineficiências e iniquidades atuais se transformam em virtudes prospectivas se forem combatidas", diz ele, comparando a nossa carga tributária à cintura de um cidadão de meia-idade que vinha crescendo a cada ano garantindo um superávit fiscal primário.
Para ele, "compramos sem saber seguro para uma crise não anunciada. Nosso prévio excesso de regulação financeira se torna uma vantagem comparativa nas circunstâncias atuais".
A inflação, que também apresentava "algum sinal de excesso de demanda, o que seria inevitavelmente desaquecido por ação do Banco Central, será agora pela ação da propagação da crise em curso".
Marcelo Neri faz a comparação: "Em época de inverno econômico rigoroso que teremos pela frente as reservas acumuladas durante o verão econômico de outrora garantem a sobrevivência nos tempos de urso".
O Brasil, que estava fora do padrão de excelência internacional pelas "ineficiências e gorduras localizadas apresentadas, se encaixa melhor no modelito imposto pela crise em curso", conclui.
No concurso do programa holandês, porém, embora a política brasileira tenha sido elogiada, especialmente o combate à desigualdade, os especialistas foram unânimes em dizer que o modelo vencedor no futuro continuará sendo o da economia dos Estados Unidos, reformulada e revigorada depois da crise.