Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 14, 2009

Fiat lux! Dora Kramer

O ESTADO DE S. PAULO

O Congresso Nacional ainda tem muito a fazer antes de corresponder ao atributo de transparência aludido pelo presidente do Senado, José Sarney, em sua manifestação de contrariedade às denúncias de condutas irregulares na Casa.

A primeira providência é aposentar a peneira de tampar o sol. A segunda, parar de empurrar para dentro do armário todo e qualquer acontecimento entendido como fato do passado. A terceira, simplesmente agir de maneira correta: cumprir as regras, instituir controles e punir os infratores.

Feito o básico, aí sim se poderá pensar e reconhecer como veraz a afirmação do senador José Sarney de que o Parlamento não faz nada que não seja à "luz do dia".

Por ora a realidade não lhe confere crédito.

Pode, por exemplo, ser tido como transparente um Poder que considera lícitos para efeito de atuação parlamentar os delitos anteriores ao início do mandato?

E o que absolve os crimes cometidos no curso da missão delegada por ordem do corporativismo explícito, pode?

Evidentemente que não. Assim como não há transparência na decisão de se divulgar notas fiscais a partir de determinada data, mantendo sob sigilo o passivo dos mesmos documentos.

Há, sim, uma óbvia presunção de culpas e uma evidente intenção de absolvê-las coletiva e liminarmente. Isso, no lugar de fazer todos inocentes, põe o coletivo sob suspeita, o que fere a instituição e garante aos malfeitores um lugar à sombra.

O presidente do Senado, portanto, não defende a Casa quando saca da peneira para tampar a luz do sol. Antes, contribuiu para empurrá-la mais alguns degraus escadaria abaixo.

Poderiam, tanto ele quanto o presidente da Câmara, Michel Temer, agir diferente? Poder para isso não lhes falta.

Podem participar do Conselho da República, podem substituir o presidente do País, podem decidir impasses em votações do plenário.

Como não podem revogar uma ordem para pagamentos abusivos ou impedir prorrogação artificial de sessões com o fito exclusivo de assegurar um extra aos funcionários?

Como não podem afastar do posto um diretor que durante dez anos empresta o imóvel funcional aos filhos? Como não podem ordenar uma revisão total de procedimentos?

Não só podem como deveriam virar tudo de cabeça para baixo, sacudir a poeira e partir para a volta por cima.

Para isso, no entanto, é preciso que estejam de fato imbuídos do espírito de defesa do Poder Legislativo, hoje fragilizado em consequência do monumental equívoco de ignorar a mudança dos tempos, a evolução da sociedade, a alteração da percepção de representados a respeito de seus representantes.

A relação vai deixando cada vez mais de ser de reverência e admiração típica de súditos. O eleitorado há algum tempo adquire a noção republicana de que dele emana o poder que em nome dele deve ser exercido.

Na visão retrógrada ainda preponderante na cabeça não só de parlamentares, mas também do presidente da República, de governadores, ministros, prefeitos e mesmo de muito burocrata sub do sub, aquele dístico é só um enfeite no enunciado da Constituição.

A mentalidade obsoleta reza que se mantenha indiferença às denúncias a fim de não ceder aos ditames da opinião pública, perigosíssima, vide a ascensão de Hitler pela vontade popular, a preferência da maioria pela pena de morte e sofismas afora.

O que se cobra hoje do Congresso não é nenhuma barbaridade. Ceder aos ditames e à pressão da opinião pública significa nada mais que fazer o certo como manda a regra, pôr um fim em privilégios de antanho, rever conceitos, manter a coluna vertebral o tanto quanto possível ereta e caminhar no prumo para o futuro.

Há distorções nos outros Poderes? Que o Congresso, na condição de colegiado representativo da sociedade, corrija as suas e, quem sabe, faça a diferença.

Na base da teimosia, na opção sistemática pelo malfeito, não é demais repetir: o Congresso deixa o País à mercê da ação de salvadores, caçadores e arrivistas sempre prontos a se apresentar como líderes da virada da maré.

José Sarney viu esse filme algumas vezes, a última faz apenas 20 anos. Há de convir: não vale a pena ver de novo.

Fanfarra

Fernando Collor de Mello é um personagem instigante, reconheça-se. Consegue suscitar no espectador algumas dúvidas, não obstante já tenha oferecido motivos de sobra para que a respeito de seus propósitos não restasse a menor dúvida.

E qual são as incertezas? Se ele imagina realmente que engana alguém fazendo pose de estadista na presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, se aposta que um surto amnésia coletiva tenha varrido da memória do Brasil a figura do moralizador cassado por corrupção, ou se acredita, de fato, na própria pantomima em molde de reedição.

Seja qual for a resposta, conta emergir de santo no altar da lama geral pela arte e a manha da comparação.

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