Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 08, 2009

DANUZA LEÃO Ah, o passado



Lembrou-se da música de Chico que diz que é desconcertante rever um grande amor. E como é.

QUEM DIRIA que anos depois -muitos anos depois- eles iriam se cruzar numa rua de Paris.
Foi absolutamente inesperado; ela ia andando, ele vinha de outra rua, quase se esbarraram, mas felizmente isso não aconteceu. Apesar do passar do tempo, nem por um minuto ela duvidou que fosse ele.
Quando se conheceram, ele devia ter uns 30 anos; agora uns 55, 60, e estava mais bonito do que antes -a natureza é gentil com os homens. Os cabelos um pouco grisalhos, os traços do rosto mais vívidos, e o corpo, o mesmo. Ah, que história havia sido aquela.
Foi um caso de amor desses inesquecíveis, apesar de curto (ou por isso mesmo). Teria sido um mês, dois? A verdade é que o tempo que durou foi intenso, e ela nunca se esqueceu de um fim de semana que passaram em Deauville em pleno outono, as florestas que percorreram com as árvores em tons que iam do amarelo ao vermelho, passando por todos os tons de castanho, e o chão coberto de folhas, as famosas "feuilles mortes". Que linda lembrança. Depois a volta para Paris, já com os dias contados para se separarem.
Não se falava disso, claro, tão presente a data estava em seus corações. E houve a penúltima noite, e a última, e se separaram, sabendo que aquela separação seria para sempre.
Sofreram; calados, pois não havia nada a dizer, nem planos a fazer.
Apenas sofreram, de mãos dadas e sem coragem de se olhar. E o tempo passou.
Passou, mas ela nunca se esqueceu dele; dos passeios no Luxembourg, dos cafés onde se sentavam durante horas contando suas vidas, suas infâncias, mas sem ousar falar de futuro, pois o futuro para eles estava fora de questão. Foi um amor inesquecível; nunca mais se viram, nem se escreveram, nem nada. Para quê? E 30 anos depois ali estava ele, a dois passos dela. Ah, quantas recordações.
Teria ele se casado? Continuaria só? Se lembraria dela, pelo menos às vezes? Teve vontade de correr para ele, mas e a coragem? Lembrou-se da música de Chico que diz que é desconcertante rever um grande amor. E como é.
Sem saber o que fazer, foi atrás dele. Viu quando entrou num edifício e ficou esperando que ele saísse, o que aconteceu umas duas horas depois.
Durante essas duas horas, o coração dela bateu loucamente, e ela pensava: falo com ele ou não? E se ele me der um olhar indiferente? Afinal, tantos anos depois, tantas coisas devem ter acontecido em sua vida.
Quando ele saiu, ela ainda o seguiu por uns minutos, ainda indecisa.
Afinal, o tempo passa, não para todos, não para ela, mas o coração dos homens é diferente do das mulheres. São mais frios, talvez.
Ele parou na rua, esperando um táxi. Era agora ou nunca. E foi nunca. Ela teve medo de que ele a tratasse friamente, como uma amiga, ou demorasse a reconhecê-la, pois o tempo costuma ser cruel com as mulheres.
Ou o pior de tudo: ele podia não reconhecê-la.

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