Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 13, 2009

Até que enfim-MariaHelena Rubinato





BLOG NOBLAT

Ontem, li aqui no Blog do Noblat uma notícia que me deixou muito alegre. Raramente, nos últimos tempos, temos tido motivos comuns a todos os brasileiros para alegrias e comemorações. A sentença do juiz da 17ª Vara Federal de Brasília, Moacir Ferreira Ramos, na ação impetrada pelo Ministério Público Federal contra integrantes do Governo Fernando Henrique Cardoso, teve esse efeito. Ação, é bom frisar, que foi promovida graças à representação de políticos opositores do Governo FHC.

Antes que algum engraçadinho lance mão do argumento que estou defendendo interesses particulares de algum amigo ou conhecido, quero deixar bem claro: nunca vi, nem troquei palavra escrita ou falada, com nenhum dos acusados. Sou capaz de reconhecer dois deles por vê-los na TV ou em fotos nos jornais. Disso não passa.

Mas sou-lhes grata. E olhem que até não fui das que mais sofreram com a situação da telefonia no Brasil. Fui privilegiada desde a mais tenra infância e sempre tive telefone em casa. Com um breve intervalo de quatro meses. Casei-me num mês de maio e fui morar no Recife. Meu marido, em seu apartamento de solteiro, tinha telefone, mas não podia transferir para nosso novo endereço por um problema técnico qualquer. Técnico e mentiroso. Pois quando, em setembro, um amigo dele soube de meu sofrimento por estar sem telefone, como que por milagre, dois dias depois eu estava com o telefone na sala. Assim corria a vida: se você tinha amigos na praça ou dinheiro no bolso, zás trás, os milagres aconteciam.

Ter telefone em casa, quando eu era criança, adolescente e jovem, décadas de 40, 50 e 60 do século 20, era para muito poucos. Tive um tio, sergipano generoso, que morava com minha tia num pequeno edifício de dois andares e quatro apartamentos, em plena Praça Antero de Quental, no Leblon. Só o casal tinha telefone e ele franqueava o uso para os vizinhos. Minha tia se aborrecia com aquele entra e sai e, sobretudo, com o abuso, pois os vizinhos passaram a receber telefonemas e ela tinha que ir a casa deles chamar. De tanto reclamar com o marido, ele tomou uma providência: puxou fios para tudo quando é lado e fez três extensões. E combinou um código: 1 toque, desliga, era para o 101; 2 toques, para o 102; 3 toques, para o 201. Tudo isso de graça!

A tia Marina era mulher apaixonada. Mas paixão desabrida pode levar a gestos tresloucados. Lá em casa, o papo diário passou a ser: a Marina ainda mata o marido! Então, foi combinado um plano que deu certo. Pediram a uma amiga que telefonasse para a casa deles e se fizesse passar por funcionária da Companhia Telefônica Brasileira, avisando que se ele não desfizesse aquela rede absolutamente ilegal, teria a linha cortada. Como a CTB não brincava em serviço, meu tio acreditou e em questão de horas, a rede estava desfeita e os vizinhos rompidos com a família!

Depois vieram os militares e melhoraram sensivelmente as comunicações no Brasil, com a criação das Teles. Antes deles, para se falar com São Paulo, era um parto. Que dirá com a Europa, com os EUA, com a Argentina... Mas a linha telefônica continuava a ser cara, difícil de conseguir. A pessoa se inscrevia e sentava para esperar às vezes anos a fio. O mais fácil era comprar de um corretor de telefones. Havia anúncios nos jornais. Quando a pessoa se mudava, tinha que trocar de linha. O jeito era vender a do endereço antigo e comprar uma nova.

Já na década de 80, nós nos mudamos para São Conrado, bairro carioca dentro da área urbana da cidade. Esse bairro, assim como toda a Zona Oeste da Cidade, não era servido pela Telerj. É espantoso, mas é verdade, ali reinava outra companhia telefônica, a CETEL. Lá fomos nós falar com um corretor da área e tudo se arranjou. Sempre perdendo dinheiro, naturalmente.

Sem falar nas pessoas que tinham muitas e muitas linhas e que viviam do aluguel dessas linhas! Isso eu sempre me recusei a fazer: pagar aluguel para usar um serviço público que a companhia estatal me recusava, mas que entregava a um esperto para que ele ganhasse muito dinheiro. Linha telefônica era patrimônio, declarado na Receita Federal e citado em testamentos. Tudo isso acabou quando a Telebrás foi privatizada.

Ontem, quando o Noblat postou a sentença, o leitor e comentarista assíduo aqui do blog, e dono de um dos melhores apelidos que conheço, Dr. Evil, fez o seguinte comentário: "FHC privatizou o setor e acabou com a palhaçada. Hoje, qualquer um pode ter um telefone celular comprado numa loja em 15 minutos. E qualquer um pode ter um telefone fixo instalado em 48 horas. Isso é o que o povo vai lembrar, sempre". Na mosca.

O questionamento sobre a legalidade da privatização das empresas de telefonia do sistema Telebrás era uma tremenda injustiça. Eu, que me lembrava do horror que era a saga dos telefones, ficava indignada. No entanto, confesso: maior do que a alegria de ver a Justiça sendo feita, foi ler a conclusão do Meritíssimo Juiz Moacir Ferreira Ramos: que belo, que exemplar puxão de orelhas! Espero que as nobres orelhas dos nobres representantes do PT estejam doloridas até agora, e que doam por muito tempo ainda.


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