O Estado de S.Paulo - 05/09/11
Reduzir juros, sendo ou não a opção correta de política monetária, é sempre uma boa jogada de propaganda e marketing. Tem todos os ingredientes para um discurso tipo pobres contra ricos, trabalhadores contra os que vivem de renda e empresas que geram empregos contra banqueiros sanguessugas.
Já cortar gastos públicos, de novo, sendo ou não uma correta política econômica, pode gerar boa ou má propaganda. É boa quando se faz o discurso de atacar o desperdício, a ineficiência e a corrupção dos governantes. Mas tira votos quando se deixa passar a impressão de que o governo está cortando serviços destinados aos mais pobres.
No curto prazo, o efeito político não tem nada que ver com a correção e a eficiência das medidas. A avaliação técnica é sempre complexa e sujeita a debates entre analistas de diferentes tendências. Já a avaliação do povo depende dos resultados da política econômica e monetária, o que normalmente se percebe em prazos mais longos.
A conclusão, que a história sempre repete, é esta: políticas (e líderes) populares hoje podem se transformar em imenso desastre mais à frente; e inversamente. Há ocasiões em que o popular de curto prazo se combina com o correto duradouro, mas isso é raro.
Aconteceu, por exemplo, com Fernando Henrique Cardoso no lançamento do Real, em 1994. A população percebeu imediatamente o valor da moeda e antecipou o benefício do fim da inflação. Mas, ao final do segundo mandato, FHC chegou desgastado e não conseguiu reconhecimento pelo amplo conjunto de reformas estruturais que deixou como legado duradouro e que garantiram a estabilidade até hoje. É certo que, com o tempo, esse reconhecimento virá. Na verdade, já está aparecendo, mas quem continua no governo é o PT, que chegou lá esculhambando a era FHC para, depois, assumir seus fundamentos.
Já Lula surfou e ainda surfa na alta popularidade, mas o julgamento posterior será mais severo. De certo modo, já está ocorrendo, com as punições a ministros de seu governo e as mudanças na política econômica.
O que nos coloca no tema da hora: essa política econômica da presidente Dilma Rousseff está em qual categoria? Há duas questões: 1) será correta e/ou eficiente para os objetivos de conter a inflação e garantir o crescimento sustentado?; e 2) será politicamente positiva?
Parece que a presidente vai bem no quesito político-popular. A "faxina" cai bem com o público. Combater os corruptos é tiro certo. A redução da taxa de juros básica também rende boa propaganda.
É verdade que a decisão do Banco Central suscitou um vendaval de críticas, mas estas provavelmente chegarão ao eleitorado como uma brisa. A questão técnica não pode ter um veredicto fechado. O governo e seus aliados arranjam seus argumentos e apresentam nomes reconhecidos na mídia para defendê-los. Além disso, só se pode dizer que o Banco Central acertou ou errou considerando hipóteses e expectativas e avaliando situações que mudam a todo instante.
Resumo da ópera neste primeiro ato: a presidente Dilma marcou dois gols.
Conseguirá manter o resultado? E, mais importante, o que tem sido bom para o governo será bom para o País?
A faxina parou antes de se concluir a limpeza. Talvez a presidente e seus colaboradores considerem que as cabeças de alguns ministros já foram suficientes para, como se diz, consolidar a marca. Feito isso, Dilma voltou suas atenções para preservar a base partidária, que não estava gostando nada dessa história de limpeza. Inclusive os lulistas estavam bronqueados.
Portanto, faxina feita e não se fala mais nisso.
Mas essa estratégia depende de dois fatores: o aparecimento de novos casos de corrupção na imprensa e a capacidade da oposição de transformar denúncias em desgaste da presidente e seu governo. O primeiro fator é provável. O segundo, duvidoso.
Isso no curto prazo. Para além disso, a questão é outra. As denúncias têm mostrado, mais do que a corrupção, a tremenda ineficiência na gestão pública. Se o sistema político impede uma ação mais vigorosa aqui, eis um entrave ao crescimento.
E a nova política econômica? A queda dos juros pegou no popular. Do ponto de vista técnico, pode deixar uma inflação elevada por um período amplo, e o povo não gosta de inflação. Mas isso só será percebido pela população quando a combinação de preços em alta e atividade econômica em baixa reduzir o nível de emprego e dos reajustes salariais.
Portanto, a presidente Dilma tem algum tempo para testar essa nova política. O conjunto proposto por ela faz sentido teórico: um forte e duradouro ajuste nas contas públicas é a contrapartida correta para a redução dos juros.
Mas tem de ser ajuste efetivo. Já há projetos no Congresso Nacional. Por exemplo: a lei que muda a aposentadoria dos servidores públicos, igualando-a à do INSS; ou o projeto que limita em 2,5% o aumento real com gastos com pessoal; a redução de vários benefícios de pensões - para citar apenas alguns dos mais polêmicos, que afrontam diretamente as bases do governo e são impopulares.
O ajuste recente alardeado pelo governo é só isso mesmo, propaganda. Simplesmente, o governo deixou de gastar um excesso momentâneo de arrecadação. Foi um álibi para o Banco Central reduzir os juros.
Ficamos assim, portanto: a presidente Dilma cancelou, na prática, a autonomia do Banco Central e levou-o a reduzir juros contando com um ajuste fiscal futuro e duvidoso.
Um baita risco. Ela simplesmente pode colher inflação elevada e crescimento raso, uma bomba política e econômica. Terá ela tudo planejado ou está seguindo assim no vai-da-valsa?