O GLOBO - 11/09/11
O panorama visto do Brasil mostra que os Estados Unidos são hoje um país menor e menos importante para nós do que era há dez anos. Em 2001, os americanos compravam um de cada quatro dólares exportados pelo Brasil; hoje, compram apenas um em cada dez. A China virou nosso maior parceiro comercial. O 11 de Setembro até hoje produz reflexos na economia do mundo.
O atentado às torres gêmeas foi como uma pedra grande lançada num lago: até hoje os círculos que se formam e se espalham têm a ver com o impacto inicial. Pode-se traçar uma linha entre os eventos que nasceram no dia que nunca terminou.
Depois das cinzas e do espanto veio o medo de uma depressão mundial. O pânico não é um ambiente em que a economia prospere. O risco era de as seguradoras quebrarem pelo peso do sinistro a ser pago; de as companhias aéreas tombarem sob o peso dos novos custos; de a paralisia contaminar toda a economia. Se, como dizia Dionísio Dias Carneiro, 2001 foi o ano em que os fantasmas chegaram todos de uma vez, o atentado de Bin Laden foi o maior deles.
O ambiente de vingança se espalhou nos EUA e alavancou o gasto militar para sustentar duas guerras. Um levantamento feito por Raphael Martello, da Tendências consultoria, mostrou que as despesas militares mais que dobraram: de US$315 bilhões para US$704 bilhões. Isso erodiu o superávit orçamentário deixado por Bill Clinton, que virou um déficit de 4,8% do PIB já em 2004. Este ano, o déficit público chegará a 11%.
Para evitar a recessão, os maiores países derrubaram os juros vertiginosamente e irrigaram o mercado financeiro. Os administradores de fundos e bancos correram com seus empréstimos atrás de quem não podia pagar. Por uma rentabilidade maior, a liquidez escorreu para todos os ativos de alto risco.
A economia retomou o crescimento e por cinco anos o mundo cresceu fortemente. Nesta onda o Brasil surfou elevando as reservas cambiais a partir de 2003. As commodities que o Brasil exporta começaram um ciclo de alta que ainda não acabou. Os juros baixos e os estímulos criaram lendas, como a da infalibilidade de Alan Greenspan. A falta de regulamentação do mercado financeiro incentivou a criatividade do mercado. Sem freios, com liquidez e muita ganância, fundos e bancos criaram exóticas criaturas. Esses papéis formatados sob conselhos, em alguns casos, das agências de classificação de risco tiravam boas notas dessas mesmas agências. Por isso, títulos arriscados, mas classificados como bons para investimento, começaram a entrar até na carteira de fundos conservadores.
O excesso de dinheiro no mercado, os juros baixos, e a valorização de todos os ativos, inclusive imóveis, criaram bolhas, principalmente no mercado imobiliário. O 15 de setembro de 2008, quando quebrou o Lehman Brothers, nasceu no 11 de setembro de 2001. O Lehman, ao quebrar, testou no limite o mercado financeiro americano e europeu. E a resposta foi negativa. Vários bancos e seguradoras quebraram em seguida e foram socorridos por gordos empréstimos concedidos sem exigências nem punição.
Começou aí uma armadilha em círculos: os bancos foram salvos pelos governos, que ficaram muito endividados, e por isso os bancos passaram a exigir mais juros de alguns países para rolar suas dívidas. Isso alimentou a desconfiança de calote de dívida dos governos, e por isso teme-se que os bancos quebrem, porque são eles que compraram esses títulos impagáveis. Nessa armadilha está a Zona do Euro neste momento.
Os EUA cresceram empurrados principalmente pelas bolhas e pelos gastos com as guerras. Uma parte da alta se deve sempre à inovação, um forte da economia americana. Mas a quebra do Lehman Brothers e os gastos necessários para resgatar a economia revelaram o tamanho do pântano que o desequilíbrio do gasto público havia criado. Aconteceu o impensável: a dívida americana foi rebaixada da melhor nota onde sempre tinha estado.
De 2001 a 2011, segundo o levantamento da Tendências, a participação dos Estados Unidos no PIB mundial caiu de 23% para 19,8%. No comércio mundial, caiu de 16% para 11%. Nas exportações brasileiras, eles caíram de 24% para 9,9%. Os Estados Unidos ficaram menores e não apenas para nós.
Quem mais cresceu nesse vácuo foi - todos sabem - a China. Aproveitou-se do boom para alavancar suas exportações para o mundo inteiro a preços baixos, permitidos pelo câmbio colado ao dólar. A relação dólar/real que era de US$1 para R$2,60 está hoje em US$1 para R$1,60. Nesse meio do caminho foi até a R$4, mas era o período anormal da incerteza criada na transição política.
Para recuperar-se da queda da economia, que ocorreu após a crise bancária e a crise de confiança que se abateu sobre empresários e consumidores, a solução foi mais injeção monetária. O presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, que sucedeu Alan Greenspan, parecia ser o homem certo no lugar certo. Afinal, ele estudou sempre o que fazer diante do risco de depressão. Evitou o pior, mas suas injeções de dinheiro têm dado alívio momentâneo, não conseguem tirar a economia da paralisia e, mais importante, não criam emprego.
Há outras causas paralelas que ajudaram a fomentar a complexa crise atual, mas não há explicação possível sem passar por aqueles aviões que abateram duas torres no coração de Nova York.