Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Pesos da exportação:: Míriam Leitão

Até Timothy Geithner, o secretário de Tesouro americano, admite: o
real está valorizado. Ele diz que um dos motivos é que certos países
emergentes têm moeda desvalorizada demais. Não falou em China, mas
todo mundo entendeu. Por muito pouco, o Brasil não registrou déficit
comercial com a Ásia. Nosso saldo comercial com a região, em 2010,
caiu de US$4 bi para US$130 milhões e não foi culpa da China.

Com os chineses, o Brasil teve superávit de US$5,2 bilhões. A piora
veio de Coreia do Sul, Tailândia e Índia. Com os três, o déficit foi
de mais de US$6,5 bilhões. Com os sul-coreanos, o déficit cresceu
120%, de US$2,1 bi para US$4,6 bi. As importações subiram 75%, de
US$4,8 bi para US$8,4 bi. Já com os indianos, saímos de superávit de
US$1,2 bilhão para déficit de US$750 milhões. Para o vice-presidente
da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de
Castro, os números mostram a fragilidade de nosso saldo comercial,
porque mesmo com a disparada dos preços das matérias-primas, o
superávit com os asiáticos foi muito reduzido:

- O problema no comércio com a China é que o superávit ficou
praticamente igual de um ano para o outro, mesmo com a explosão de
preços das commodities. Isso significa que aumentamos muito as
importações, em 60%. Com a Índia, o superávit virou déficit porque
importamos muito óleo diesel. Com a Coreia do Sul, a importação é
basicamente de automóveis e eletroeletrônicos. Enquanto vendemos
matérias-primas para eles, compramos itens com valor agregado.

Os números revelam outros dados surpreendentes. Com os Estados Unidos,
nosso déficit comercial disparou 75% de um ano para o outro, de US$4,4
bilhões para US$7,7 bi. Já no Oriente Médio, a surpresa é o Irã, que
virou o segundo maior comprador de produtos brasileiros, ultrapassando
os Emirados Árabes. Aproveitando o embargo promovido pelos americanos,
nossas vendas para os iranianos subiram 74%, de carne, açúcar e milho,
principalmente, chegando a US$2,1 bilhões.

- Com os EUA, o déficit disparou por motivos ideológicos, porque não
demos atenção a esse mercado. Sempre tivemos superávit com os
americanos. Em 2008, por exemplo, foi de US$1,8 bi. A participação dos
americanos no nosso comércio era de 25% e foi reduzido a 9,6%. Um mau
resultado, em se tratando da principal vitrine para o comércio
internacional - explicou Castro.

As principais queixas dos exportadores continuam sendo câmbio e Custo
Brasil. O real valorizado tira competitividade, e a precária
infraestrutura, alta carga tributária e carência de mão de obra
especializada encarecem custos de produção. A China, apesar do
superávit comercial, ainda é considerado país ultrafechado. Se, por um
lado, o mercado chinês é forte comprador de matérias-primas, por
outro, mantém restrita a compra de itens com maior valor agregado. No
setor de aviação civil, por exemplo, é o governo chinês quem decide de
quais companhias estrangeiras as empresas do país podem comprar. Essa
é uma das dificuldades que a Embraer tem, apesar de ter conseguido
exportar mais em 2010, chegando a US$4,16 bilhões, e fechar o ano em
quarto lugar no ranking de exportações.

- Gostaríamos de ter mais negócios com a China, uma abertura maior.
Temos parceria com uma empresa chinesa, onde temos controle, mas o
problema é que o governo chinês é quem decide de quem as empresas do
país podem comprar. Elas precisam de autorização governamental para
suas decisões de compras. Há um controle muito forte do mercado -
explicou Paulo César de Souza e Silva, vice-presidente-executivo da
Embraer para o Mercado de Aviação Comercial.

A BR Foods e a Sadia exportaram juntas US$4,4 bilhões em 2010. Arábia
Saudita e Japão foram os principais compradores. A China aparece
apenas como 10º mercado. A queixa com os chineses, neste caso, é a
lentidão das inspeções sanitárias. A empresa detém 20% do mercado
mundial de frango e 9% do mercado de proteína, em geral. De cada cinco
frangos exportados no mundo, um é da BR Foods. O dólar fraco e os
gargalos de infraestrutura são queixas da empresa.
- Nossos portos não possuem o mesmo padrão de custo de Estados Unidos
e Europa. As taxas são altas e a produtividade, baixa. As estradas
também são muito ruins, ferrovias, toda a cadeia de transporte - disse
Antonio Augusto de Toni, vice-presidente de mercado externo da BR
Foods.

A Cargill exportou US$3 bilhões em 2010, o sétimo melhor resultado do
país. A Ásia é o principal mercado comprador, e a soja representa 80%
da pauta de exportações da empresa. O aumento da renda dos asiáticos
tem puxado a compra de proteína. Paulo Sousa, líder da unidade de
Negócio Complexo Soja da Cargill, e Luiz Preti, diretor de finanças,
dizem que a empresa poderia exportar mais, não fosse o alto custo de
se produzir no país.

- O Custo Brasil é muito pior que o real valorizado. Mesmo se
tivéssemos o dólar valendo R$2,20, ainda assim nossos custos seriam
maiores que de Argentina e Estados Unidos, por exemplo. A soja poderia
ser exportada pelo porto de Santarém, que fica a 700 quilômetros da
produção. Mas a BR-163 está para ser asfaltada desde o ano 2000.
Entrou na lista de obras do PAC, teve cronograma adiado para 2009,
depois para 2010, e agora fala-se em 2012. Por isso, temos que ir até
o porto de Santos, a 2.000 quilômetros, e passar por ferrovia, que no
Brasil tem custo de rodovia, porque há poucos trilhos e a demanda é
muito alta - explicaram.

Ouvimos alguns dos principais exportadores para saber deles o que mais
atrapalha a exportação. Todos reclamam do câmbio, mas todos acham que
as dificuldades resumidas na expressão "Custo Brasil" são uma barreira
muito mais poderosa.

FONTE: O GLOBO

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