Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 10, 2009

Vicente Fox, ex-presidente do México, expõe desafios do país

A culpa é de todos
Richard Drew/AP

Um defensor do livre mercado
Fox lembra o óbvio: se a responsabilidade pela crise é dos "olhos azuis", é deles também a prosperidade que enriqueceu o mundo

O México está de novo mergulhado na violência, desta vez não por iniciativa das guerrilhas de esquerda, mas dos cartéis das drogas. O país também sofre com os efeitos da aterrissagem de barriga da economia americana, da qual tem dependência quase total. O ex-presidente Vicente Fox atribui os problemas com o narcotráfico à omissão do governo americano e reconhece que o México vai sofrer mais que o Brasil com a crise mundial. Fox, cujo mandato terminou há quase três anos, conversou com o editor Diogo Schelp às vésperas de sua participação, na semana passada, no ciclo de debates Fórum da Liberdade, realizado em Porto Alegre.

Os "loiros de olhos azuis", ou melhor, as nações ricas são as únicas culpadas pela atual crise financeira?
De jeito nenhum. A crise originou-se nos Estados Unidos e se estendeu ao resto do mundo. Mas eu pergunto ao Brasil, ao México, à África e ao Leste Europeu: como poderiam ter tido, nos últimos dez anos, seu melhor período de crescimento econômico e desenvolvimento se não fosse pelo acesso ao crédito? A economia brasileira só alcançou o desempenho dos últimos anos porque suas empresas tiveram acesso livre aos mercados internacionais e a financiamentos. Todos nós temos uma parcela de responsabilidade.

Um estado forte, onipresente na economia, é inevitável em tempos de crise financeira?
O estado tem uma tarefa a cumprir como regulador, mas é um erro retornar aos tempos dos governos intervencionistas, autoritários. Progredimos muito na última década. Não podemos voltar às economias fechadas, limitar o comércio e impor barreiras alfandegárias.

O Nafta vai ser prejudicado pela crise?
O Nafta, o acordo de livre comércio que o México tem com os Estados Unidos, é invejado por outras nações. Todos gostariam de estar tão perto do maior mercado consumidor do mundo. O Nafta, à medida que caírem as exportações, vai ser afetado, sim. Mas trata-se de um instrumento tão generoso que, a longo prazo, as dificuldades certamente serão superadas. A preocupação no México, hoje, é saber o que quis dizer o presidente americano Barack Obama quando anunciou uma revisão do Nafta. Esperamos que sua intenção seja aprimorar o acordo, e não impor restrições.

O México, devido à sua integração com a economia americana, vai sofrer mais que o Brasil com a crise?
Nossas exportações dependem muito do mercado americano, onde está o epicentro da crise. Por isso, do ponto de vista da economia real – os empregos, os investimentos, as exportações, as remessas dos emigrantes –, o México vai se sair pior do que outras nações. Quem tem um comércio exterior mais diversificado, como é o caso do Brasil, vai sofrer menos. A boa notícia é que os fundamentos da economia e o sistema financeiro mexicano não estão se decompondo, como ocorre em outros países. Nesse aspecto, a economia mexicana é uma fortaleza, porque fizemos um bom trabalho na última década, com o reforço das instituições, a redução da dívida pública e o aumento da capacidade de poupança da população.

Como Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua, países com governo populista, vão enfrentar a crise?
O pior que pode acontecer aos cidadãos desses países é ter governantes como Hugo Chávez no poder. Sua administração é um verdadeiro fracasso, porque desestimula os negócios e elimina empregos. Esses governantes messiânicos e demagogos estão construindo verdadeiras ditaduras e ampliando a pobreza. Além disso, a Venezuela está se tornando um território quase livre para o trânsito de drogas ilícitas rumo aos Estados Unidos. Isso é ruim para toda a região.

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse que a demanda pela droga em seu país impulsiona a violência no México. Como combater o narcotráfico?
Finalmente, os Estados Unidos reconhecem que são responsáveis pela situação de violência do crime organizado no México. Nesta vida, contudo, não basta reconhecer, é preciso atuar. O que eu quero ver agora são compromissos sérios e definitivos. Alguns membros do governo Obama chegaram a falar que o México é um estado falido. Eu tenho a impressão de que o comentário de Hillary esconde a intenção de blindar a fronteira com o México, de seguir construindo muros e cercas, de mandar mais e mais guardas nacionais para não deixar ninguém entrar no país. Isso não resolve.

O que resolve?
Dar alguns milhões de dólares em ajuda não resolve o problema. Isso não serve para nada na luta contra o narcotráfico. Primeiro, os Estados Unidos devem limpar sua própria casa. Eles têm de reduzir o consumo e a oferta lá mesmo, em seu território, e combater a lavagem de dinheiro associada ao tráfico. Segundo, devem controlar o contrabando de armas. O México não produz armas e, no entanto, estamos com as ruas abarrotadas de fuzis de alto calibre. Eles vêm todos dos Estados Unidos. A violência dos cartéis mexicanos é uma reação à decisão, com bons resultados, do governo mexicano de meter o Exército numa guerra frontal contra eles. O México sempre foi um ponto de passagem da droga entre os países produtores e o mercado americano. Infelizmente, com o tempo nós nos tornamos também um país produtor e consumidor de narcóticos.

Em seu livro A Revolução da Esperança, o senhor descreve o ex-presidente americano George W. Bush como um "caubói de para-brisa". Por quê?
Porque ele não sabe montar a cavalo, não sabe nada de fazendas, como se vangloriava. Ou seja, é um caubói motorizado. Mas eu respeito o presidente Bush, continuamos nos comunicando mesmo após o fim de nossos mandatos.

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