No best-seller A Cabeça de Steve Jobs, um jornalista americano
lança-se numa missão curiosa: examinar como funciona a mente
do criador do iPod. Conclui que a genialidade vem da soma de
suas virtudes e seus defeitos
Adriano Silva
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Dá para admirar um empresário maníaco, cruel, que grita com as pessoas e faz com que elas trabalhem até noventa horas por semana? Se a resposta é negativa, você não admira Steve Jobs, fundador da Apple, gênio da inovação, responsável por revoluções na indústria da tecnologia que mudaram o mundo para sempre: do mouse e dos ícones "clicáveis", que tornaram o computador acessível a crianças de 3 anos, ao iPod e ao iPhone. Quer pensar melhor? A Cabeça de Steve Jobs (tradução de Maria Helena Lyra e Carlos Irineu da Costa; Agir; 304 páginas; 36,90 reais), de Leander Kahney, editor da Wired.com, que cobre a Apple há mais de doze anos, apresenta ao leitor um retrato complexo de Jobs. Trata-se de um líder messiânico e ao mesmo tempo despojado. Que inspira ideias e medo. E enxerga o interlocutor sempre como um gênio ou um idiota. "A Apple é a soma das virtudes e dos defeitos de Steve", escreve Kahney, que mostra que os defeitos de Jobs são tão importantes para o sucesso da empresa quanto suas virtudes.
O livro foi escrito em novembro de 2007. Como muito aconteceu nesse ano e meio, há alguma defasagem. O sucesso do iPhone, por exemplo, ainda é tratado como uma suposição. Mas isso não tira o interesse da leitura. Há um capítulo inteiro dedicado à criação do iPod, o maior sucesso da história da Apple, com detalhes saborosos como a escolha do nome do tocador e o fato de ele só existir graças a uma junção de tecnologias que empresas como Toshiba e Sony não sabiam bem como utilizar sozinhas. Kahney entrevistou executivos que trabalharam diretamente com Jobs. E oferece uma visão interna da "empresa mais revolucionária do mundo".
"Não existe um método para a inovação na Apple", afirma Jobs. A empresa gosta de acreditar que a inovação acontece ali dentro como um processo orgânico. A Apple funciona como a soma de várias pequenas empresas iniciantes, e não como uma corporação com mais de 30 000 funcionários. Jobs se ocupa em defender a criatividade da ameaça da burocracia. Ele não tem o menor pudor de lançar produtos que venham a matar os que já existem. Mas combate a inovação aleatória, porque "ela cria soluções para problemas que não existem". Talvez a verdade seja que a luz na Apple emana quase que exclusivamente de Jobs. A questão, crucial para a sobrevivência da empresa, será como manter viva a chama da inovação quando Jobs se for.
O que move Jobs não é a competição nem o dinheiro. O que ele deseja é mudar o mundo, fazer história. Jobs trabalha movido a paixão. "Ele tem um entusiasmo contagiante. É uma força da natureza", escreve Kahney. Jobs é também muito exigente. Sabe extrair o melhor de cada um. Não raro, de forma traumática. Ele impõe o seu senso de urgência à organização. Segundo Kahney, Jobs é um intimidador profissional. Mas não um tirano, meramente. "Ele atua como um pai muito difícil de agradar. As pessoas têm medo dele e buscam a sua atenção e a sua aprovação. Ninguém quer decepcioná-lo", escreve. Um funcionário deixava sempre um par de tênis escondido debaixo da mesa, para trocar pelos sapatos caso o chefe aparecesse. É isso mesmo: usar sapato pega mal na Apple.
Jobs adora disputas intelectuais. Ele é conhecido por testar o interlocutor: se está bem informado, se sabe defender seus pontos de vista. Na Apple, as pessoas se perguntam: "Você já foi stevado hoje?". Significa tomar uma lavada de Jobs, ser atropelado por ele no corredor, no elevador, na sala do café. Jobs é também um perfeccionista patológico. Busca sempre a excelência. Chegou a mandar redesenhar uma placa-mãe – peça sobre a qual poucos usuários põem os olhos – porque a achava feia. Também achava que o plugue do iPod não fazia um clique bacana. E só sossegou quando seus engenheiros entregaram um clique bonito. De outra feita, seus programadores tiveram de gastar seis meses ajustando um recurso tão simples quanto a barra de rolagem do sistema operacional. Ele é obsessivo com os detalhes que considera importantes – mesmo fora da empresa. Durante duas semanas repassou na mesa de jantar os valores de sua família antes de decidir que máquina de lavar deveria ser comprada.
Steve Jobs também erra. O Mac Cube, lançado em 2000, por exemplo, uma aposta pessoal sua, naufragou. Ter investido primeiro em vídeo, com o iMovies, e não em música, com o sistema iPod/iTunes, que só viria bem depois, quase fez a Apple perder o melhor negócio da empresa. E em uma de suas últimas declarações antes do afastamento por saúde, no começo deste ano, Jobs afirmou que não pretende lançar um concorrente ao Kindle, o e-book da Amazon, "porque as pessoas não leem mais". Nesse quesito, torcemos para que ele esteja errado.