Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 10, 2009

Livros A Cabeça de Steve Jobs, de Leander Kahney

PARA ENTENDER O GÊNIO

No best-seller A Cabeça de Steve Jobs, um jornalista americano
lança-se numa missão curiosa: examinar como funciona a mente
do criador do iPod. Conclui que a genialidade vem da soma de
suas virtudes e seus defeitos


Adriano Silva

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Nesta reportagem
• 

Quadro: As obsessões de Steve Jobs

Exclusivo on-line
Trecho do livro

Dá para admirar um empresário maníaco, cruel, que grita com as pessoas e faz com que elas trabalhem até noventa horas por semana? Se a resposta é negativa, você não admira Steve Jobs, fundador da Apple, gênio da inovação, responsável por revoluções na indústria da tecnologia que mudaram o mundo para sempre: do mouse e dos ícones "clicáveis", que tornaram o computador acessível a crianças de 3 anos, ao iPod e ao iPhone. Quer pensar melhor? A Cabeça de Steve Jobs (tradução de Maria Helena Lyra e Carlos Irineu da Costa; Agir; 304 páginas; 36,90 reais), de Leander Kahney, editor da Wired.com, que cobre a Apple há mais de doze anos, apresenta ao leitor um retrato complexo de Jobs. Trata-se de um líder messiânico e ao mesmo tempo despojado. Que inspira ideias e medo. E enxerga o interlocutor sempre como um gênio ou um idiota. "A Apple é a soma das virtudes e dos defeitos de Steve", escreve Kahney, que mostra que os defeitos de Jobs são tão importantes para o sucesso da empresa quanto suas virtudes.

O livro foi escrito em novembro de 2007. Como muito aconteceu nesse ano e meio, há alguma defasagem. O sucesso do iPhone, por exemplo, ainda é tratado como uma suposição. Mas isso não tira o interesse da leitura. Há um capítulo inteiro dedicado à criação do iPod, o maior sucesso da história da Apple, com detalhes saborosos como a escolha do nome do tocador e o fato de ele só existir graças a uma junção de tecnologias que empresas como Toshiba e Sony não sabiam bem como utilizar sozinhas. Kahney entrevistou executivos que trabalharam diretamente com Jobs. E oferece uma visão interna da "empresa mais revolucionária do mundo".

"Não existe um método para a inovação na Apple", afirma Jobs. A empresa gosta de acreditar que a inovação acontece ali dentro como um processo orgânico. A Apple funciona como a soma de várias pequenas empresas iniciantes, e não como uma corporação com mais de 30 000 funcionários. Jobs se ocupa em defender a criatividade da ameaça da burocracia. Ele não tem o menor pudor de lançar produtos que venham a matar os que já existem. Mas combate a inovação aleatória, porque "ela cria soluções para problemas que não existem". Talvez a verdade seja que a luz na Apple emana quase que exclusivamente de Jobs. A questão, crucial para a sobrevivência da empresa, será como manter viva a chama da inovação quando Jobs se for.

O que move Jobs não é a competição nem o dinheiro. O que ele deseja é mudar o mundo, fazer história. Jobs trabalha movido a paixão. "Ele tem um entusiasmo contagiante. É uma força da natureza", escreve Kahney. Jobs é também muito exigente. Sabe extrair o melhor de cada um. Não raro, de forma traumática. Ele impõe o seu senso de urgência à organização. Segundo Kahney, Jobs é um intimidador profissional. Mas não um tirano, meramente. "Ele atua como um pai muito difícil de agradar. As pessoas têm medo dele e buscam a sua atenção e a sua aprovação. Ninguém quer decepcioná-lo", escreve. Um funcionário deixava sempre um par de tênis escondido debaixo da mesa, para trocar pelos sapatos caso o chefe aparecesse. É isso mesmo: usar sapato pega mal na Apple.

Jobs adora disputas intelectuais. Ele é conhecido por testar o interlocutor: se está bem informado, se sabe defender seus pontos de vista. Na Apple, as pessoas se perguntam: "Você já foi stevado hoje?". Significa tomar uma lavada de Jobs, ser atropelado por ele no corredor, no elevador, na sala do café. Jobs é também um perfeccionista patológico. Busca sempre a excelência. Chegou a mandar redesenhar uma placa-mãe – peça sobre a qual poucos usuários põem os olhos – porque a achava feia. Também achava que o plugue do iPod não fazia um clique bacana. E só sossegou quando seus engenheiros entregaram um clique bonito. De outra feita, seus programadores tiveram de gastar seis meses ajustando um recurso tão simples quanto a barra de rolagem do sistema operacional. Ele é obsessivo com os detalhes que considera importantes – mesmo fora da empresa. Durante duas semanas repassou na mesa de jantar os valores de sua família antes de decidir que máquina de lavar deveria ser comprada.

Steve Jobs também erra. O Mac Cube, lançado em 2000, por exemplo, uma aposta pessoal sua, naufragou. Ter investido primeiro em vídeo, com o iMovies, e não em música, com o sistema iPod/iTunes, que só viria bem depois, quase fez a Apple perder o melhor negócio da empresa. E em uma de suas últimas declarações antes do afastamento por saúde, no começo deste ano, Jobs afirmou que não pretende lançar um concorrente ao Kindle, o e-book da Amazon, "porque as pessoas não leem mais". Nesse quesito, torcemos para que ele esteja errado.

LIVROS  

Trecho de A Cabeça de Steve Jobs,
de Leander Kahney

Tradução
Maria Helena Lyra
Carlos Irineu da Costa

 

O grande debate da máquina de lavar

É fato conhecido que no início dos anos 1980 Jobs morou em uma mansão com pouquíssimos móveis porque ele não suportava mobiliário abaixo do padrão. Ele dormia em um colchão, rodeado por algumas fotografias gigantescas. Mais tarde comprou um piano de cauda alemão, embora não tocasse, porque admirava seu design e o esmero de sua construção. Quando o ex-CEO da Apple, John Sculley, visitou Jobs, ficou chocado com a aparência desleixada da casa. Parecia abandonada, principalmente em comparação com os palácios meticulosamente cuidados que a circundavam. "Desculpe por eu não ter muita mobília", justificou-se Jobs a Sculley. "Ainda não tive tempo para isto."

Sculley disse que Jobs não estava disposto a aceitar nada que não fosse o melhor. "Lembro-me de ter ido à casa de Steve e ele não tinha móveis, só tinha uma foto de Einstein, que ele admirava muito, e uma luminária da Tiffany, uma cadeira e uma cama", disse-me Sculley. "Ele simplesmente não acreditava em ter muitas coisas por perto, mas era incrivelmente cuidadoso com o que escolhia."

Jobs tem muita dificuldade em fazer compras. Não consegue se decidir quanto a um telefone celular. "Acabo não comprando muitas coisas", disse ele ao responder a uma pergunta sobre os aparelhos e tecnologias que compra, "porque eu as acho ridículas".

Quando finalmente vai às compras, o processo pode ser trabalhoso. Procurando uma nova máquina de lavar e uma secadora, ele prendeu sua família inteira em um debate durante duas semanas sobre que modelo escolher. A família Jobs não baseou sua decisão em uma rápida olhada nas funções e no preço, como a maioria das famílias faria. Em vez disso, a discussão girou em torno do design americano versus o europeu, a quantidade de água e detergente consumida, a velocidade da lavagem e a longevidade das roupas.

"Gastamos algum tempo na nossa família falando sobre qual concessão desejávamos fazer. Acabamos conversando bastante sobre design, mas também sobre nossos valores. O mais importante para nós seria que nossa roupa fosse lavada em uma hora em vez de uma hora e meia? Ou o mais importante seria que nossas roupas ficassem bem macias e durassem mais? Seria importante usar apenas um quarto da água? Passamos cerca de duas semanas falando sobre isso toda noite à mesa do jantar. Sempre voltávamos para aquela velha discussão sobre a máquina de lavar e a secadora. E a conversa era sobre design."

No final, Jobs optou por aparelhos alemães, que ele achou que eram "caríssimos" mas que lavavam bem as roupas com pouca água e pouco detergente. "Eles são, com certeza, maravilhosamente bem-feitos e são alguns dos poucos produtos que compramos nos últimos anos com que estamos todos realmente contentes", disse Jobs. "Esse pessoal realmente pensou muito no processo. Fizeram um grande trabalho o projeto dessas lavadoras e secadoras. Fiquei mais entusiasmado com elas do que com qualquer exemplar de alta tecnologia em muitos anos."

O grande debate da máquina de lavar parece exagerado, mas Jobs leva os mesmos valores — e o mesmo processo — para a tarefa de desenvolver produtos na Apple. O desenho industrial na empresa não é tratado como o verniz final de um produto que já está com sua engenharia pronta, como ocorre em muitas outras. Um número enorme de companhias trata o design como a pele colada por fora no último minuto. Na verdade, em muitas companhias, o design é totalmente terceirizado. Uma firma separada irá tratar da aparência do produto — assim como uma firma separada provavelmente irá tratar da fabricação.

"É triste e frustrante que estejamos rodeados de produtos que parecem ser provas de uma completa falta de cuidado", disse Ive, o afável britânico que lidera a pequena equipe de design da Apple. "É isso que é interessante em um objeto. Um objeto diz muitas coisas sobre a empresa que o produziu, sobre seus valores e prioridades."

A Apple terceiriza a maior parte da sua fabricação, mas não o design de seus produtos. Exatamente ao contrário. Os desenhistas industriais da Apple estão intimamente envolvidos desde a primeira reunião.


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