O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga disse que a Petrobras já deveria ter saído do cálculo do superávit primário, e que o preocupante é o governo aumentar o gasto de custeio e de pessoal sistematicamente acima do crescimento do PIB. No World Economic Forum, o presidente Lula deu sinais claros de que a moda agora é mesmo aumentar o tamanho do Estado.
Chamado do "estadista global" pelo presidente do WE F, o alemão Klaus Schwab, e de "conselheiro" pelo presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, o presidente Lula se soltou ontem no plenário do encontro, feito no Rio de Janeiro, para discutir a América Latina.
Disse que faz sempre dois discursos: um para prestigiar os assessores que escrevem o que ele vai falar e outro sobre o que ele realmente quer dizer. Nos dois, defendeu o aumento da presença do Estado na economia.
Para ele, não se pode ter preconceito contra a estatização. "Não podemos ficar presos ao paradigma que ruiu nos últimos meses." Mais adiante, fez uma interpretação muita pessoal da História recente do mundo: "A ideia de que o Estado não vale nada e só atrapalha foi moda durante todo o século XX." Na verdade, a ideia liberal ganhou força mais no final do século, que teve várias décadas de ampliação do estatismo aqui e em diversos países do mundo.
Lula criticou também a política econômica dos anos 90, quando "tudo era o ajuste fiscal".
O presidente Álvaro Uribe foi mais preciso ao definir o papel clássico do governo na recuperação econômica: o país, de US$ 200 bilhões de PIB, vai investir US$ 25 bilhões em projetos de infraestrutura como medida anticíclica; a rede de proteção social já estendeu os planos de saúde para 90% da população; a luta contra o terrorismo e o narcotráfico já conseguiu feitos impressionantes, como o de reduzir de três mil para menos de 200 o número de sequestros por ano ou de prender, ontem mesmo, um dos grandes chefes do tráfico de drogas. "Isso tem um valor intangível, o Estado colombiano restabeleceu o monopólio da força e da Justiça preservando a democracia e sem apelar para o estado de sítio." A América Latina, atingida pela crise, precisará da força do Estado para sair do atoleiro, mas qual é a melhor forma de fazer isso? Na Venezuela, disse Mireya Cisneros, de um dos grandes grupos de comunicação do país, ela estava desanimada.
Disse que o governo Hugo Chávez está investindo contra a imprensa de forma cada vez mais forte. Ela acha que daqui para a frente vai ficar pior a cada dia.
Em geral, as análises nos encontros, debates e conversas de corredores eram de que a crise atingiu a América Latina de forma mais fraca do que outras regiões e que, portanto, podese sair dela de forma mais rápida. Lula repetiu que o Brasil foi o último país a entrar em crise e será o primeiro a sair. Nos painéis, acompanhados por Leonardo Zanelli, aqui da coluna, e por Débora Thomé, do blog Notícias das Américas, o clima era o mesmo. Todo mundo preocupado com a crise, mas ninguém desesperado, talvez porque a região já esteja escaldada de tanta crise. O ex-ministro Luiz Fernando Furlan me disse que as vendas da Sadia estão aumentando um pouco mais a cada mês.
Uma saudável preocupação de todos — não se sabe até que ponto apenas teórica — foi com o risco de protecionismo. O presidente Lula o definiu como "vício".
A ministra das Relações Exteriores de El Salvador, Marisol Argueta de Barillas, foi pela mesma linha, disse que o protecionismo "é um alívio de curto prazo", que não resolve o problema a médio e longo prazos. O ministro da Indústria e Comércio da Colômbia, Luis Guillermo Plata, disse que as maiores barreiras no comércio da região são a burocracia, as licenças de importação e as barreiras sanitárias. O México, apesar de estar sofrendo mais com a crise que terá, segundo o embaixador Andrés Benevides, com uma recessão de pelo menos 2% este ano, reduziu tarifas de importação em dezembro do ano passado, no pior da crise.
A América Latina está claramente aliviada — e se sente isso no tom das apresentações e nas conversas de corredores — por não ser, desta vez, o epicentro da crise. Mas há muitos riscos pela frente que podem, inclusive, ser criados pela má qualidade das respostas à recessão. A interpretação de que os governos podem aumentar os gastos impunemente, porque assim estão fazendo os países ricos, não leva em conta uma grande diferença: aqui temos o difícil histórico de hiperinflação, de quebras e moratórias que têm alguns países da região. Armínio Fraga disse que não está particularmente preocupado com a queda do superávit primário neste momento em que o país está indo para um PIB negativo de 1% a 1,5%. O que ele teme é a herança do gasto de custeio subindo sempre acima do PIB e a ideia de que o Brasil pode ignorar algumas de suas fragilidades, como a de ter uma dívida bruta de 55% do PIB. Ele acha que a herança dessas medidas pode prejudicar o Brasil para além da crise.
— Nós precisamos derrubar os juros agora, para que eles permaneçam baixos estruturalmente. O México tem juros reais de 3,5%.