O GLOBO
O melhor exemplo do momento atual, em que o gasto público parece ter ficado totalmente fora do controle, é um projeto de lei baseado na medida provisória que já está sendo conhecida como a "MP do Bem-Bom". Ela mostra que a gastança está solta. O que era um projeto de lei para favorecer o parcelamento de pequenas dívidas, até R$10 mil, de microempresários, transformou-se em 70 artigos com benesses a todo tipo de contribuinte, em muitos casos sem limites da dívida. A coisa saiu do controle graças ao deputado da base governista Tadeu Felipelli, do PMDB do Distrito Federal, que foi adicionando ao projeto original benefícios para os mais diversos setores, e agora o governo tenta que a oposição barre no Senado o que sua base já aprovou na Câmara.
A secretária da Receita, Lina Maria Vieira, perambula pelos gabinetes da oposição pedindo pelo amor de Deus que não deixem votar o projeto enquanto o líder do governo negocia a ampliação dos benefícios. Varejo puro, a medida provisória agora trata de vários setores da economia, ao sabor dos lobbies, desde o açúcar do Norte Fluminense até a criação de camarões.
Esse ambiente político se dissemina enquanto o governo vai ampliando as concessões a diversos setores da economia, o que para alguns é um jogo de altíssimo risco, e para Lula, um "jogo de audácia".
O que o governo chama de política anticíclica a oposição diz que é gasto sem estratégia, com o simples objetivo de tentar fazer a economia não entrar em recessão a curto prazo, esquecendo-se dos fundamentos permanentes do equilíbrio fiscal de longo prazo.
Por ter aumentado seu gasto corrente acima do crescimento do PIB, o governo teve que reduzir o superávit primário. Contou, para isso, com o espaço fiscal que ficou aberto com a redução dos juros, mas, ao contrário do que fazem os governos dos Estados Unidos e de outros países, está gastando mais em custeio da máquina pública do que em investimentos.
E fazendo caridade com o chapéu alheio, como afirmam prefeitos e governadores de todos os matizes políticos, pois a redução de IPI para automóveis e agora para a chamada linha branca retira de estados e municípios parte da arrecadação desses impostos, que já está reduzida devido à própria crise econômica. E com isso provoca pressões políticas para mais compensações financeiras.
Um exemplo de como quando o governo parte e reparte fica com a melhor parte é a sistemática da redução do superávit primário.
A meta da União caiu de 2,15% para 1,40% do PIB. A das estatais, sem a Petrobras, passa de 0,70% para 0,20%. Para estados e municípios, cai de 0,95% para 0,90%.
Quem sabe fazer contas diz que isso significa que a meta do governo federal diminuirá em 0,75 ponto do PIB, uma redução de 35%, enquanto a meta das estatais (a maioria federais, mesmo excluída a Petrobras) cairá em 0,5 ponto do PIB, ou corte relativo de 71%.
Enquanto isso, a meta dos governos estaduais e municipais será reduzida em 0,05 ponto do PIB, um recuo de apenas 5%. Mesmo assim, essa meta de superávit, mesmo reduzida, será de difícil execução, a menos que a economia melhore muito.
O início do ano sempre foi historicamente o melhor período, mas até o momento a meta não foi atingida.
Com o novo aumento real do salário mínimo de 6% e os reajustes de funcionalismo público já contratados, há quem ache que o único jeito de a situação fiscal não estourar seria o país crescer muito, o que é improvável que aconteça nos próximos anos.
Essa postura do governo federal também provoca uma ação na mesma direção de estados e municípios, que também aumentaram seus gastos com pessoal.
O governo está apostando que, quando passar a crise, o investimento externo vai voltar, e o país atrairá novamente o capital produtivo. Mas o mais provável é que o arranjo financeiro mundial mude, não vai haver dinheiro para emergentes, a era de dinheiro abundante, farto, sem maiores preocupações não vai se repetir tão cedo.
Pelo contrário, o mundo rico vai "chupar" o dinheiro do mundo. Neste momento, o país está remetendo dinheiro para os Estados Unidos como nunca, o Imposto de Renda na fonte, no setor remessa para o exterior, explodiu, com um aumento de 60%.
Países que, como os da Europa Ocidental e os Estados Unidos, hoje estão fazendo déficits fiscais imensos, de um lado vão ter que subir os juros em algum momento, para atrair investimentos para cobrir seus rombos; e, de outro, terão que combater a inflação que virá em consequência.
Nós teremos então o dilema de disputar os investimentos internacionais pelo aumento dos juros, ou pela atratividade de nossa economia. Mas, se estivermos às voltas com uma crise fiscal, as condições para investimento estarão prejudicadas.
Há uma contradição entre esperar que o dinheiro volte e fortalecer o mercado interno, que está sendo tratado à base de isenções de impostos e não com soluções estruturais, permanentes.
Tudo indica que o governo não vai reverter o superávit fiscal e vai apostar fundo nas obras de infraestrutura. Deveria fazer isso, mas reduzir o custeio.
O problema é que estamos agindo sem uma estratégia de Estado, mas sim de preservação do poder do governo, e quando comparam nossa política anticíclica com a de Obama nos Estados Unidos, esquecem-se de que ele, além do fato de que emite dólares, por enquanto uma moeda desejada no mercado internacional, faz aumento do gasto público com mudanças estruturais.
Reformando a saúde, na indústria automobilística exigindo reestruturações, compromissos com menos emissão de carbono, novas tecnologias ambientais, dinheiro para estimular pesquisas, banda larga nos prédios públicos, construção de prédios inteligentes.