Para o Banco Mundial, além de tornar a administração pública mais ágil e eficiente, as microrreformas sedimentam o caminho para o crescimento sustentado. Se executadas, o Brasil estaria hoje mais bem defendido contra a crise, com menor perda de produção e de emprego. De fato, abandonadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, elas hoje fazem falta na travessia da crise. Afinal, por que o Brasil não consegue avançar na superação de velhos e conhecidos problemas da gestão pública, que só conduzem ao atraso e emperram o desenvolvimento? O que foi feito ou deixaram de fazer nos últimos anos?
Não é novidade que a pesada estrutura do nosso país empaca o progresso e freia o crescimento. São leis anacrônicas e ultrapassadas, tramitação infernal de papéis, burocratas cobrando "pedágios", desperdício de dinheiro com exigências absurdas (os cartórios só existem no Brasil e sobrevivem à era digital!), excesso e desordem tributária convidando à sonegação. É um aparelho público mastodôntico convivendo com o moderno dinamismo da economia privada, impondo aos cidadãos regras e exigências dos anos 1950/60 em um país com pressa de viver o século 21. Criado em 1979, o Ministério da Desburocratização não cumpriu sua missão e acabou extinto em 1986. Nas gestões Sarney e Collor o tempo passou e nada mudou.
O governo FHC executou um programa voltado a abrir a economia, superar o atraso institucional e adaptar o País a uma nova ordem jurídica, pela qual o Estado encolhia e as instituições cresciam atuando com autonomia e sem influência política dos governos - origem de muitas das mazelas do atraso e da corrupção na gestão pública. Foram criadas as agências reguladoras, encolheram as empresas estatais, mas a máquina do Estado continuou inchada. Além disso, FHC tentou levar adiante as grandes reformas (tributária, previdenciária, trabalhista), mas não conseguiu aprovar quase nada no Congresso. Já a estrutura burocrática - com raras exceções, como tornar mais ágil a cobrança de impostos pelas prefeituras - restou praticamente intacta e o Brasil mastodonte seguiu em frente.
Quando assumiu o governo, em 2003, o presidente Lula chegou com todo o gás, disposto a completar as grandes reformas e implementar um programa de microrreformas, cujo alvo era o ataque a esse Brasil mastodonte, atrasado, gigante, burocratizado, que impede o progresso e paralisa o desenvolvimento. Coube ao então secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, comandar a elaboração do programa. Intitulado Reformas microeconômicas e crescimento de longo prazo, foi concluído em dezembro de 2004, com propostas para as áreas de crédito, melhoria da qualidade da tributação, medidas econômicas para inclusão social (o microcrédito e o crédito consignado), redução do custo de resoluções de conflitos (a nova Lei de Falências foi uma das raras propostas a vingar) e ambiente de negócios (simplificação burocrática para atrair investimentos privados). Mas até onde foi o gás de Lula? Fez uma "chaminha" pequenininha e apagou rápido. Quer ver?
Em relação às grandes reformas, fora a incompleta reforma da Previdência, Lula abandonou todas. Até mesmo a trabalhista, onde ele próprio e os companheiros que levou para o governo tinham inegável expertise. O que restou da tributária perambula pelo Congresso, mas na agenda de prioridades perde feio para as brigas partidárias e os escândalos do Senado.
O balanço das microrreformas é deprimente. Fora a abertura do mercado de resseguros, de algumas poucas leis (entre elas a de falências) e créditos para baixa renda, 90% ou mais foram abandonados quando Guido Mantega assumiu a Fazenda. Até as Parcerias Público-Privadas (PPP), que o ex-ministro Antonio Palocci centrou fogo para concluir a regulamentação, não foram adiante por absoluta incompetência para formatar projetos e atrair parceiros privados.
É assim que a gestão Lula tem tudo para entrar para a história com a marca da falta de espírito público e de coragem para enfrentar as velhas resistências políticas do atraso que se opõem ao progresso do País para impor seus privilégios. Afinal, de que lado está o presidente?