O GLOBO
Chic é. O Brasil receber uma carta do FMI — Ah! As cartas do FMI! — propondo que o pais vire credor do Fundo e o governo poder responder que sim, que atende ao pedido. Isso no mesmo momento em que o México está pedindo empréstimos à velha moda e a Argentina pode também ir pelo mesmo caminho. Na longa e tumultuada relação do Brasil com o Fundo houve tudo, menos isso.
O fato mostra que o Banco Central estava certo, e seus críticos errados, em acumular reservas cambiais, ainda que a história seja mais complicada. Foi um péssimo negócio do ponto de vista de um investidor.
O BC comprava dólar, que se desvalorizava, e investia em títulos do Tesouro americano que rendem cada vez menos, e ao mesmo tempo mantinha uma dívida numa moeda que subia e a juros espantosamente altos.
O BC foi criticado porque mantinha juros altos e isso derrubava mais o dólar, que já caía em outros países, por outras razões. O BC comprava dólar para tentar impedir a sua queda. Mas carregar moeda cadente, e se endividar em moeda que se fortalecia a juros altíssimos, era um péssimo negócio, diziam os críticos. E era. A diferença é que para um banco central a lógica é diferente do que para um investidor comum. Olhando para trás, pode-se dizer que o Brasil poderia ter crescido mais e aproveitado melhor a época de boom se os juros tivessem sido menores. Vários economistas dizem isso, um deles o diretor da Escola de Economia da FGV, Yoshiaki Nakano.
Ele me disse isso na semana passada e repetiu ontem no Valor Econômico. Outros economistas argumentavam que, com o histórico do Brasil na área inflacionária, só restava ao BC perseguir à risca a meta de inflação.
Seja errando no varejo, seja pagando um preço alto, o fato é que o Banco Central acumulou reservas cambiais num volume que dá mais conforto na travessia do momento de dificuldade.
Chic é. Inédito é. Mas quem viu a longa caminhada do Brasil até que esta carta chegasse a Brasília sabe o quanto custou cada passo da estrada: a renegociação da dívida deixada pelos militares, a abertura da economia, a estabilização, os vários ajustes fiscais, a flutuação do câmbio, o esforço dos exportadores, as privatizações, a superação da crise bancária, a Lei de Responsabilidade Fiscal, os superávits primários, a estabilidade de regras mesmo com mudanças políticas. Tudo jogou um peso nesse processo.
Uma das máximas do fim dos anos 70 e começo dos anos 80, no governo militar, quando o Brasil assinava cartas anuais com o FMI se comprometendo com metas que nunca cumpria, é que dívida não era para ser paga, mas sim "administrada". Foi impossível administrar o impacto no Brasil da quebra do México em 1982. O Brasil fez duas maxidesvalorizações e uma baita recessão para ter dólares para pagar o empréstimo do FMI.
No começo da democracia, o lema era "não pagaremos a dívida com o sangue do povo brasileiro". Mesmo assim, o país fez várias negociações, entremeadas por um período de suspensão do pagamento por absoluta falta de dólares em caixa em fevereiro de 1987. Da dívida velha herdada dos militares, acrescida pelos novos empréstimos para pagar os antigos, inadministráveis, o Brasil só se livrou numa longa renegociação, que envolveu troca de papéis velhos por novos bonds em que os credores aceitavam dar descontos na dívida.
Em 1995, o México quebrou de novo. O Brasil, no começo do Real, aguentou o primeiro tranco. Vieram outros colapsos na Ásia, na Rússia e depois no Brasil em 1999. Vieram novos socorros do FMI e do Tesouro americano.
A melhora nos anos seguintes permitiu a recompra da dívida velha que começou no governo Fernando Henrique e continuou no governo Lula. Essa era a dívida que o quando oposicionista Lula da Silva tanto prometeu não pagar ou fazer auditoria.
Dos dois grandes momentos de sufoco, nas décadas passadas, ficou um trauma: sempre que o México quebrou, o Brasil, mais cedo ou mais tarde, o seguiu. Desta vez tudo parece diferente.
O México acaba de pedir socorro ao FMI. Recebeu US$ 46 bilhões de empréstimo por um ano na nova, e bem mais macia, linha de crédito: a Flexible Credit Line.
O país vem sofrendo o impacto da queda da economia americana da qual é cronicamente dependente.
O peso já perdeu um terço do seu valor desde agosto, e o país deve ter uma recessão de 3,3% este ano. O presidente do Banco Central do México disse que, com esse empréstimo, a economia mexicana estará "blindada". Essa palavra deveria ser evitada! Ontem, os rumores eram que a Argentina também estaria negociando um acordo com o FMI, em que o país aceitaria uma supervisão nas contas nacionais. A jornalista Débora Thomé informa no seu blog Notícias das Américas, que está no site www.miriamleitão.com, que isso só aconteceria depois das eleições legislativas, porque a campanha contra o FMI é uma obsessão dos Kirchner. Como é ultrapassado esse antagonismo! Emprestar alguns bilhões ao FMI não faz do Brasil potência, não abona os erros que têm sido cometidos na administração da crise, não impede que o Brasil sofra o impacto dela, como vem sofrendo. Mas faz o país mais próximo da Índia, que ontem também anunciou um aporte de US$ 11 bilhões, que do México ou da Argentina. Melhor assim.
oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM LEONARDO ZANELLI
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