O Globo
O presidente Lula sem dúvida alguma se transformou em participante proeminente da reunião do G-20, que começa hoje em Londres, e tem sabido aproveitar a importância relativa que o Brasil representa neste momento para vocalizar posições bastante claras, embora algumas equivocadas. Sair ao lado da rainha Elizabeth na foto oficial da reunião do G-20 é apenas a parte mais glamourosa desse papel de destaque. A união com a França para exigir uma regulação mais rigorosa dos mercados internacionais está correta, e seria ridículo acusar Nicolas Sarkozy de estar defendendo posições “esquerdistas”. Mas a defesa do “Estado forte” como tese permanente, com base na necessidade de intervenção estatal no momento de crise que o mundo vive, é uma visão apressada que não deve ter o respaldo da maioria dos seus pares no G-20.
Enquanto Lula defende a estatização dos bancos como solução, o presidente Barack Obama resiste à ideia, mesmo que muitos deles estejam praticamente “federalizados” nos Estados Unidos com o dinheirão que o governo vem colocando neles.
No afã de defender seus “companheiros” latino-americanos de Venezuela, Bolívia e Equador, excluídos da Cúpula da Governança Progressista no Chile, Lula tentou elogiar o que chamou de “vigorosa onda de democracia popular” na região, sem imaginar que Hugo Chávez iria, dias depois, colocá-lo em mais uma situação constrangedora.
Na reunião de Cúpula da América do Sul com Países Árabes, no Catar, Lula tratou de sair de fininho quando notou que o comensal a seu lado seria o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, contra quem há uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional por conta de crimes de guerra cometidos na região de Darfur, onde cerca de 300 mil pessoas morreram.
Já Chávez fez questão de convidar Al-Bashir para visitar a Venezuela, e se solidarizou com a Liga Árabe, que permanece apoiando o ditador do Sudão.
Lula pode ter querido não sair na foto ao lado dele, mas o Brasil, na tentativa de ter o voto dos países árabes para fazer parte como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, absteve-se em uma votação no Conselho de Direitos Humanos que condenava a ação do Sudão em Darfur, o que levou a ONG internacional Human Rights Watch a criticar a posição do país.
A exposição internacional de Lula leva também a que ele se torne alvo de críticas, como quando culpou os “brancos de olhos azuis” pela crise econômica internacional.
Sabe-se agora que, momentos antes, ele tivera uma conversa franca com o primeiroministro britânico, Gordon Brow, ocasião em que admitira que, quando sindicalista e líder da oposição, sempre culpava o governo, e agora, como governante, joga a culpa nos Estados Unidos e na Europa.
Brown fez a inconfidência em uma entrevista coletiva, ao lado de Obama, e certamente os risos que provocou não foram de condescendência a Lula.
O primeiro-ministro inglês estava apenas, elegantemente, dando o troco em Lula, que o constrangera no Brasil, assumindo uma postura em público que criticara em encontro privado.
Kathryn Hochstetler, cientista política especializada em América Latina da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, diz-se indecisa quanto à interpretação da recente retórica de Lula. Embora considere fora de dúvidas que Lula pretende assumir o papel de líder dos países emergentes e daqueles mais pobres, a professora diz que é pouco provável que uma estratégia baseada “no jogo de acusações” seja bem-sucedida na reunião do G-20, embora possa ser uma estratégia política eficiente na política interna.
Para ela, Lula está ainda “longe de ser outro Chávez”, mas uma posição de liderança na reunião do G-20, e além dele, vai depender da sua capacidade de articular um plano positivo para ações futuras, e não ficar culpando o passado.
Já David Fleischer, cientista político professor da Universidade de Brasília, acha que as ações de Lula configuram uma bem preparada estratégia para tentar tirar da reunião do G-20 decisões mais concretas, e de maior proveito para os emergentes, como reforçar o Banco Mundial e o FMI, impor regras fortes para controlar os sistemas financeiros dos G20, acabar com os “paraísos fiscais”, financiar exortações dos emergentes, reduzir o protecionismo.
Ele concorda que “tiradas” como a dos olhos azuis às vezes não caem tão bem, mas acha que não diminuem “a influência e força” do presidente Lula.
Em relação à “corrida” com Hugo Chávez pela liderança na América do Sul, Fleischer vê como uma questão complicada para Lula e o Brasil “combater as tiradas e lances do Chávez, sem atacá-lo diretamente”.
Ele analisa que, embora oficialmente, para o Ministério das Relações Exteriores, a Venezuela seja uma “democracia” e Chávez, “mui amigo”, “quando é fácil e conveniente”, o Brasil “puxa o tapete” para derrubar Chávez.
É um jogo de “paciência”.
Para David Fleischer, “definitivamente, Lula é uma alternativa de liderança na América do Sul”.
A propósito da coluna de ontem, o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, telefona para fazer outras interpretações das recentes pesquisas. Ele acha, por exemplo, que, mesmo com toda a exposição, a ministra Dilma Rousseff não está tão bem assim. Pretende testar essa tese colocando outros dois nomes, os dos ministros Fernando Haddad, da Educação, e Tarso Genro, da Justiça, identificando os três em listas separadas como “candidato do PT apoiado por Lula”.
Ele desconfia que os três terão o mesmo índice, por volta de 15%, o que indicaria que essa é a capacidade de transferência de votos do presidente Lula.
Entrevista:O Estado inteligente
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