O GLOBO
Asenha foi dada pelo governo de Barack Obama: diante da dupla e pavorosa ameaça de um colapso do sistema financeiro seguido de uma longa recessão, e talvez deflação, o déficit das contas públicas não é problema. Como só o governo tem dinheiro para agir, porque só o governo emite os dólares, não há outra saída senão uma combinação de pesados aportes do Banco Central para resgatar os bancos com a ampliação do gasto público em setores que revigorem a atividade econômica.
Assim, quando Obama apresentou seu orçamento com um déficit que pode chegar a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), quase não houve contestações.
Além disso, o governo americano tem estimulado outros países a lançarem pesados pacotes de investimentos públicos de modo a tornar global o esforço de combater a recessão.
Aqui não tem obtido tanto sucesso.
Países europeus que, ao contrário dos EUA, já passaram por catástrofes como colapso financeiro, hiperinflação, destruição da moeda, calotes da dívida pública, resistem à idéia de relaxar o controle das contas governamentais.
Já a China não vacilou. Anunciou um enorme programa de gastos que, em dois anos, vai ultrapassar os 10% do PIB, se tudo foi concretizado. Proporcionalmente, é o maior pacote do mundo.
Olhando o cenário, o presidente Lula resolveu ouvir a sua turma dita "desenvolvimentista", na qual se inclui, desde sempre, o atual ministro da Fazenda, Guido Mantega. Esse pessoal entende que a crise sepultou o liberalismo, o neoliberalismo, o capitalismo à americana, e deu razão, ainda que tardia, às teses de que o governo é que deve mandar na economia, quer investindo e gastando diretamente, quer dirigindo e orientando os negócios das empresas privadas.
Vai daí que o governo Lula aumenta os gastos, manda dinheiro para Estados, prefeituras e para uma série de empresas e setores, subsidia companhias e empresas com redução de impostos e crédito oficial mais barato, manda os bancos públicos emprestarem a juros cada vez menores, mesmo à custa de sua rentabilidade. E reduz o superávit primário, os recursos orçamentários para pagar juros e reduzir o endividamento público.
Agora, as coisas são assim no mundo todo, diz Lula que, afinal, nunca se sentiu à vontade em manter a política econômica herdada de FHC. Como funcionava, foi levando, mas agora está encontrando a oportunidade de fazer a coisa de seu jeito.
Quem tem razão nessa história? Obama tem. Lá na sua terra, a pesada intervenção do governo, neste momento, certamente alivia e abrevia a crise. E o déficit? Ele tem moral para fazer. Reparem: os EUA nunca trocaram de moeda, nunca deram calote, nunca atrasaram o pagamento de um centavo nos juros dos títulos públicos, sempre garantiram o dólar portado por qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, o governo nunca entrou em colapso.
Por isso, ainda nesta crise, que é de origem americana, os investidores do mundo todo correram para o dólar e para os títulos do Tesouro americano.
Obama tem credibilidade para dizer: vamos fazer um déficit agora, na emergência, mas o equilíbrio das contas públicas será recuperado antes do final deste governo. Ou seja, a virtude fiscal está suspensa, não eliminada.
Os países europeus já não tem esse conforto. Hoje, estão sólidos, mas o passado os condena. Portanto, os governos do Velho Continente também têm razão em mostrar prudência com os pacotes.
E a China? Ora, pessoal, é o caso mais fácil. A China poupa mais de 40% do PIB, o país tem superávits enormes nas contas externas, o governo é superavitário nas contas internas. Resumo: o governo gasta muito pouco, o equivalente a 20% do PIB, para uma arrecadação de impostos de 21%. E sua dívida hoje é de 16% do PIB.
Isso quer dizer que Lula não tem razão quando acha que ganhou uma licença para gastar. A dívida pública aqui é de 37% do PIB. O governo (em todos os níveis) arrecada e gasta pouco em torno de 40% do PIB. E gasta mal. No período janeiro/fevereiro deste ano, para uma despesa de R$ 83,4 bilhões em custeio, pessoal e previdência, sabem quanto o governo Lula investiu em obras? R$ 2,7 bilhões.
Se continuar nessa linha, Lula não estará fazendo a nova política econômica.
Estará simplesmente abrindo novos buracos nas contas públicas e criando esqueletos nos bancos públicos
Entrevista:O Estado inteligente
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