O GLOBO
Que papel desempenha no cenário político brasileiro o ministro Gilmar Mendes desde que assumiu há quase um ano a presidência do Supremo Tribunal Federal? O de bufão – que longe de apenas divertir o rei e zombar da corte lhes diz verdades incômodas? Ou o de fiscal dos atos públicos atento a tudo que ponha em risco a legalidade? Você decide.
A atuação de Mendes pode ser examinada levando-se em conta dois cenários – o otimista e o pessimista. No primeiro, juiz se limita a julgar e só fala nos autos. Escapa à função dele a abordagem de temas políticos. Ministro da Suprema Corte americana, por exemplo, recusa até convite para refeições com gente estranha ao seu meio. Vive em um mundo à parte.
O que confere nobreza ao Judiciário é justamente a função restrita de julgar. “O drama do juiz é a solidão. Não conheço ofício que exija tão viril dignidade”, escreveu o jurista italiano Piero Calamandrei no livro Eles, os juízes, vistos por nós, advogados. Uma sentença de qualquer natureza satisfaz uns e aflige outros. Ela mexe com os interesses e o destino de pessoas.
O mínimo, pois, que se exige de alguém dotado de tamanho poder é recato, contenção, sobriedade. Jamais um juiz pode se tornar um ator político. Ao proceder assim, ele se apequena, atrai suspeição, estimula o surgimento de desafetos, expõe seus pares e, ao cabo, compromete o Judiciário. É a regra universal. E se desconhece qualquer estudo sério que sugira sua revogação.
À luz do cenário otimista, o comportamento de Mendes é censurável. Cite um único tema político relevante que ele tenha deixado passar ao largo. Certamente, Mendes disse o que pensa a respeito de todos – de fidelidade partidária a grampos telefônicos, passando por invasões ilegais de terras. Por sinal, a mais recente delas, a da fazenda do banqueiro Daniel Dantas, foi promovida a título de “homenagear” Mendes.
Nelson Jobim foi um presidente do Supremo que fez política o tempo todo nos bastidores. Saiu do Ministério da Justiça do governo Fernando Henrique para ocupar uma vaga no Supremo.
Aposentou-se e voltou a ser ministro – dessa vez de Lula. Sucedeu-o na presidência do tribunal a ministra Ellen Gracie, que resgatou a discrição inerente ao cargo. Mendes? Mendes faz política de forma ostensiva.
No cenário pessimista, a erosão moral e ética dos demais poderes pode levar, sim, um juiz a romper com o silêncio público que a toga lhe obriga e a falar como um cidadão preocupado com as instituições. Se ninguém fala, se poucos falam, se a oposição renunciou a se opor, se os demais partidos se comportam como ovelhas gordas e saciadas, quem dirá ao rei e à corte o que eles não querem ouvir?
O prestígio do Legislativo está ao rés-do-chão. Cada vez mais os mandatos são exercidos por aqueles ocupados em enriquecer depressa. A sucessão de escândalos envolvendo políticos subtraiu a capacidade de se indignar do distinto público. Outro dia, a ONG Transparência Brasil descobriu que 85 parlamentares doaram para suas campanhas mais do que declararam ter em bens. E daí? Quem liga?
Do alto de seus 84% de aprovação, o presidente da República mais popular da História estava pronto para entregar à fatia mais corrupta do PMDB a chave de um cofre com R$ 6,5 bilhões do fundo de pensão da empresa estatal Furnas. O que fez Lula abortar o ato? A resistência oferecida pelos funcionários da empresa. Faltava-lhe autoridade para se opor à velhacaria? Não. Por conivente, faltava-lhe vontade.
Foi Mendes que forçou o governo a prestar atenção na farra das escutas telefônicas ilegais. Foi Mendes o responsável pelo fim das operações mediáticas da Polícia Federal e do uso indiscriminado de algemas em presos. Na semana passada, Mendes engrossou o coro dos que reclamam da cumplicidade do governo com o Movimento dos Sem-Terra, responsável por quatro assassinatos em Pernambuco.
Mendes é um bom ou um mau juiz?
Que papel desempenha no cenário político brasileiro o ministro Gilmar Mendes desde que assumiu há quase um ano a presidência do Supremo Tribunal Federal? O de bufão – que longe de apenas divertir o rei e zombar da corte lhes diz verdades incômodas? Ou o de fiscal dos atos públicos atento a tudo que ponha em risco a legalidade? Você decide.
A atuação de Mendes pode ser examinada levando-se em conta dois cenários – o otimista e o pessimista. No primeiro, juiz se limita a julgar e só fala nos autos. Escapa à função dele a abordagem de temas políticos. Ministro da Suprema Corte americana, por exemplo, recusa até convite para refeições com gente estranha ao seu meio. Vive em um mundo à parte.
O que confere nobreza ao Judiciário é justamente a função restrita de julgar. “O drama do juiz é a solidão. Não conheço ofício que exija tão viril dignidade”, escreveu o jurista italiano Piero Calamandrei no livro Eles, os juízes, vistos por nós, advogados. Uma sentença de qualquer natureza satisfaz uns e aflige outros. Ela mexe com os interesses e o destino de pessoas.
O mínimo, pois, que se exige de alguém dotado de tamanho poder é recato, contenção, sobriedade. Jamais um juiz pode se tornar um ator político. Ao proceder assim, ele se apequena, atrai suspeição, estimula o surgimento de desafetos, expõe seus pares e, ao cabo, compromete o Judiciário. É a regra universal. E se desconhece qualquer estudo sério que sugira sua revogação.
À luz do cenário otimista, o comportamento de Mendes é censurável. Cite um único tema político relevante que ele tenha deixado passar ao largo. Certamente, Mendes disse o que pensa a respeito de todos – de fidelidade partidária a grampos telefônicos, passando por invasões ilegais de terras. Por sinal, a mais recente delas, a da fazenda do banqueiro Daniel Dantas, foi promovida a título de “homenagear” Mendes.
Nelson Jobim foi um presidente do Supremo que fez política o tempo todo nos bastidores. Saiu do Ministério da Justiça do governo Fernando Henrique para ocupar uma vaga no Supremo.
Aposentou-se e voltou a ser ministro – dessa vez de Lula. Sucedeu-o na presidência do tribunal a ministra Ellen Gracie, que resgatou a discrição inerente ao cargo. Mendes? Mendes faz política de forma ostensiva.
No cenário pessimista, a erosão moral e ética dos demais poderes pode levar, sim, um juiz a romper com o silêncio público que a toga lhe obriga e a falar como um cidadão preocupado com as instituições. Se ninguém fala, se poucos falam, se a oposição renunciou a se opor, se os demais partidos se comportam como ovelhas gordas e saciadas, quem dirá ao rei e à corte o que eles não querem ouvir?
O prestígio do Legislativo está ao rés-do-chão. Cada vez mais os mandatos são exercidos por aqueles ocupados em enriquecer depressa. A sucessão de escândalos envolvendo políticos subtraiu a capacidade de se indignar do distinto público. Outro dia, a ONG Transparência Brasil descobriu que 85 parlamentares doaram para suas campanhas mais do que declararam ter em bens. E daí? Quem liga?
Do alto de seus 84% de aprovação, o presidente da República mais popular da História estava pronto para entregar à fatia mais corrupta do PMDB a chave de um cofre com R$ 6,5 bilhões do fundo de pensão da empresa estatal Furnas. O que fez Lula abortar o ato? A resistência oferecida pelos funcionários da empresa. Faltava-lhe autoridade para se opor à velhacaria? Não. Por conivente, faltava-lhe vontade.
Foi Mendes que forçou o governo a prestar atenção na farra das escutas telefônicas ilegais. Foi Mendes o responsável pelo fim das operações mediáticas da Polícia Federal e do uso indiscriminado de algemas em presos. Na semana passada, Mendes engrossou o coro dos que reclamam da cumplicidade do governo com o Movimento dos Sem-Terra, responsável por quatro assassinatos em Pernambuco.
Mendes é um bom ou um mau juiz?