Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 15, 2009

Reinaldo Azevedo entrevista LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

“Vivi dias terríveis. Mas disse a mim mesmo que não me deixaria abater. Agora terminou”
Luiz Carlos Mendonça de Barros, a esta altura e para os leitores deste blog, dispensa maiores apresentações. Ex-presidente do BNDES (1995-1998) e ex-ministro das Comunicações (1998), conduziu a privatização da Telebras segundo o modelo desenhado por Sérgio Motta. Cotado para ser “ministro da Produção”, deixou o governo à esteira de gravações clandestinas que tentavam pôr sob suspeita a venda da estatal. No último dia 4, o juiz Moacir Ferreira Ramos, da 17ª Vara Federal de Brasília, absolveu Mendonça de Barros e outros integrantes do primeiro escalão do governo FHC da acusação de terem beneficiado algumas empresas privadas no processo de privatização.

Foram dez anos de luta na Justiça, ao longo dos quais não se apresentou uma única prova ou evidência de incorreção. Ao contrário: entendeu o juiz que as autoridades atuaram, então, para valorizar o bem público. E ainda deu um puxão de orelha nos petistas que moveram a ação, liderados pelo agora senador Aloizio Mercadante e pelo presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini: “Ora, se havia a preocupação com a apuração destes fatos, por que esses nobres políticos não interferiram junto ao governo atual, ao qual têm dado suporte, para que fosse feita, a fundo, a investigação dessas denúncias - sérias, enfatize-se - que apontaram na representação?” (íntegra da sentença aqui)

Conversei com Mendonça de Barros sobre a absolvição e também sobre esses dez anos. O que se lê abaixo é um diagnóstico dos mais lúcidos sobre a realidade política brasileira nesses anos. Não há uma só palavra de rancor ou ressentimento. Ao contrário: a despeito dos muitos e óbvios dissabores, está claro que ele não perdeu a acuidade e o bom humor. É uma entrevista para ler, imprimir e ter sempre à mão.
*
Blog – Na sua opinião, a imprensa deu o devido destaque à sentença que absolveu o senhor e os outros acusados no processo de privatização da Telebras?
LCMB –
Nas televisões, praticamente não se tocou no assunto. Nos jornais, leia você mesmo, o noticiário foi bastante discreto. Considerando que fomos tratados como bandidos por alguns meses, é evidente que há uma clamorosa desproporção entre o que se noticiou antes e o que se noticia agora. Mas sou realista e sei que essa é a dinâmica da imprensa nas sociedades modernas de massa. De qualquer forma a decisão judicial foi divulgada pelo menos junto à elite política e econômica do país. Já é alguma coisa...

Blog – Como foram esses dez anos?
LCMB –
Me afastei da vida pública, mas não do debate público, como você bem sabe. No período, criei o site e a revista Primeira Leitura, voltei a ser articulista de jornal... Vivo e tentando participar do debate. Não permiti que os meus detratores contaminassem as minhas perspectivas de futuro. Mas é claro que é uma situação muito dura. Acredito que bandidos verdadeiros não se importem quando lhes atribuem isso ou aquilo. Em linguagem de mercado, eu diria que a acusação já está no preço de suas malfeitorias. Um bandido pode até esperar ser descoberto. Ele não liga. O que ele quer é impunidade. Quem age dentro da lei, quem é decente, aí essa pessoa não está preparada, não. Vivi dias terríveis. Mas disse a mim mesmo que não me deixaria abater. Agora terminou..

"Um bandido pode até esperar ser descoberto.
Ele não liga. O que ele quer é impunidade.
Quem age dentro da lei, quem é decente, aí
essa pessoa não está preparada, não.
Vivi dias terríveis."

Blog – A que o Sr. atribui o conjunto da obra, as acusações?
LCMB –
A um conjunto de fatores. A gravação das fitas decorreu de banditismo puro e simples, gente que pretendia usar o material para ganhar dinheiro. A justiça já identificou e puniu alguns dos culpados. Outros pagaram pelas fitas, editaram seu conteúdo e passaram para a imprensa para que fôssemos afastados do governo e, assim, pudessem esconder suas ações para interferir no leilão da chamada Tele Norte Leste. Estes continuam por aí, impunes, ainda mais ricos e convivendo com o governo Lula.

"No caso dos petistas, a exploração foi de
natureza ideológica mesmo. E nem vou dizer
que o partido fosse, ou seja, contra a
privatização. O PT é contra o sucesso
do adversário. Só isso."

Blog – E o lado político da armação?
LCMB -
No caso dos petistas, a exploração foi de natureza ideológica mesmo. E nem vou dizer que o partido fosse, ou seja, contra a privatização. O PT é contra o sucesso do adversário. Só isso. Usaram as fitas para espalhar duas mentiras: a de que teríamos beneficiado Daniel Dantas e a de que teríamos vendido a Telebrás a “preço de banana”. Ora, o que chamaram de tentativa de manipulação do leilão foi justamente o esforço para elevar o valor de venda, uma obrigação nossa, obrigação explicitada e confirmada, aliás, no parecer muito claro do procurador federal junto ao Tribunal de Contas. A sentença final do juiz Moacir Ferreira Ramos assume esse dado e cria uma jurisprudência para o processo de venda de bens públicos.

Todos os números comprovam que a Telebrás foi vendida por um valor que estava bem acima daquilo que o mercado indicava. O valor das ações em Bolsa logo depois evidenciou isso. Até hoje não recuperaram o valor original de venda. Quanto às diferenças entre um monopólio público e um mercado baseado na concorrência privada com supervisão de uma agência pública – a Anatel – os resultados falam por si.

"A privatização era um processo ainda
novo no Brasil, que afrontava a cultura
arraigadamente estatista de setores da
elite intelectual brasileira,
onde incluo parte da imprensa."

Blog – Então foi mistura de banditismo com disputa pelo poder?
LCMB –
Isso foi o principal, mas não só. A privatização era um processo ainda novo no Brasil, que afrontava a cultura arraigadamente estatista de setores da elite intelectual brasileira, onde incluo parte da imprensa. E a Telebrás, apesar da sua histórica ineficiência, apesar de ter criado um verdadeiro sistema de discriminação de classes, que excluía os pobres do serviço, era considerada uma jóia da coroa. Era, isto sim, uma jóia do atraso, da ineficiência, do desperdício, do uso da coisa pública na política menor. Como também eram outras estatais que foram privatizadas e que, depois, foram fundamentais no exaltado crescimento do governo Lula. Isso deixava as pessoas um tanto nervosas. Sentiam-se intelectualmente insultadas. Eu sabia que a reação seria brutal. O Sérgio [Motta] também sabia. O presidente Fernando Henrique comentava o risco. Até há uma passagem a respeito em um dos seus livros.

"Nestes dez anos, os acusadores não
juntaram nenhuma prova que mostrasse
as irregularidades que denunciavam.
Ficaram apenas no nível da calúnia,
como é, aliás, a forma petista de agir."

Blog – O Sr. quer dizer...
LCMB –
Eu quero dizer que não se concebia que a privatização pudesse ser bem-sucedida e feita com lisura. E ela foi. A sentença que nos absolveu deixa isso claro. E há, a meu ver, o que poderia ser lido quase como um desafio. O juiz faz uma constatação e uma indagação. Se havia irregularidades, por que os petistas não as evidenciaram e corrigiram? Nestes dez anos, os acusadores não juntaram nenhuma prova que mostrasse as irregularidades que denunciavam. Ficaram apenas no nível da calúnia, como é, aliás, a forma petista de agir. A verdade é que não houve irregularidades, e os marcos regulatórios criados pelo ministro Sergio Motta, mesmo sem experiência anterior no assunto, foram exemplares. Até hoje funcionam a contento.

Nós trabalhamos direito. Tenho orgulho de saber que democratizamos o telefone no Brasil numa velocidade inédita no mundo. Há problemas? Há. Aqui e no mundo. Que a ag
ência reguladora e o governo atuem para que a iniciativa privada atenda aos desafios. Muita gente diz: “A tarifa é alta”. Os impostos também. Em boa parte do mundo, eles são menores. De todo modo, antes não se reclamava do preço porque só rico tinha telefone.

"O PSDB não soube tirar proveito da venda de
estatais nem em 2006 nem em período
nenhum. Na campanha presidencial passada, era
o PT que exaltava seus benefícios ao mesmo tempo
em que Lula fazia terrorismo com a privatização"

Blog – O PSDB soube explorar na campanha de 2006 os benefícios da privatização?
LCMB –
Nem em 2006 nem em período nenhum. Na campanha presidencial passada, para minha surpresa, o PT fazia propaganda dos benefícios da privatização da telefonia ao mesmo tempo em que o candidato-presidente fazia terrorismo com a privatização, afirmando que, se o PSDB vencesse, venderia a Petrobras, o Banco do Brasil e a CEF. A resposta do partido foi muito ruim.

Por quê?
LCMB –
Porque, em vez de se colocar positivamente no debate, destacando quem tinha feito o quê - e por quê - preferiu se colocar negativamente, justificando-se, dizendo que não privatizaria nada, vestindo o então candidato com jaqueta com logo de estatais. Um erro claro que foi pago nas urnas. Deveríamos ter deixado claro, sim, que não se venderiam aquelas estatais porque aquilo nunca foi nem sequer cogitado, mas demonstrando que o PT estava se divertindo com instrumentos alheios. Neste aspecto, a decisão judicial de agora tira o doce da boca dos petistas. Em 2010 não vão poder usar este instrumento.

"Falar da suposta 'privataria' tucana tornou-se
uma espécie de desculpa de alguns jornalistas
para poderem criticar o PT sem levantar
suspeitas. Certamente não vão se retratar
publicamente, apenas vão deixar para lá..."

Blog – Ainda cabe recurso na decisão...
LCMB
– Cabe, sim. Mas estou tranqüilo. A sentença é um reforço legal e moral e tanto, admito, mas minha tranqüilidade decorre do fato de que sei que tudo foi conduzido com a maior lisura. Se eu entrar agora no Google, encontrarei inúmeras declarações de figuras do atual governo reconhecendo que fizemos tudo de acordo com a lei e em favor do país. Dizem que as acusações eram apenas instrumentos de luta política, no melhor exemplo dos sinais gramscianos do PT. O resto, como diria o outro, é marolinha — no nosso caso, foi um verdadeiro tsunami de acusações. Falar da suposta “privataria” tucana tornou-se uma espécie de desculpa de alguns jornalistas para poderem criticar o PT sem levantar suspeitas. Certamente não vão se retratar publicamente, apenas vão deixar para lá.....

"O PT faz isso muito bem, e muitos jornalistas
têm medo e se deixam patrulhar. Para falar
mal do Lula, tem de falar mal também de
FHC. Como se estivesse pagando um
imposto ou cumprindo uma penitência"

Blog – Como assim?
LCMB –
É... O sujeito queria criticar isso ou aquilo no PT, mas tinha receio de ser acusado de tucanismo. Então usava o caso para largar o braço também no PSDB. Aliás, deixe anotado isto: quando FHC era presidente, alguns jornalistas não sentiam necessidade de fazer o contraponto. Batiam no presidente e nos tucanos sem ter de fazer compensação do outro lado. Até porque não existia. Era muito difuso: Itamar, Collor, Sarney, a ditadura... E nós não tínhamos o hábito de acusar os jornalistas de alinhamento com os adversários. O PT faz isso muito bem, e muitos jornalistas têm medo e se deixam patrulhar. Para falar mal do governo Lula, tem de falar mal também do governo FHC. Como se estivesse pagando um imposto ou cumprindo uma penitência.

"Sei que o momento não é hospitaleiro para
esta consideração, mas vejo o caso como um choque
histórico entre uma mentalidade voltada para
o estado-pai-patrão e uma sociedade de indivíduos
livres, autônomos, onde o mérito é premiado"

Blog – Há uma ponta de ressentimento nisso?
LCMB –
De jeito nenhum! Quer saber? Até acho um tanto divertido e procuro entender isso dentro da história da mentalidade brasileira. Sei que o momento não é hospitaleiro para esta consideração, mas vejo o caso como um choque histórico entre uma mentalidade voltada para o estado-pai-patrão e uma sociedade de indivíduos livres, autônomos, onde o mérito é premiado. Fui personagem desse embate. Talvez mais do que um simples personagem. Fui uma vítima, uma espécie de mutilado de guerra. E isso não deixa de ser um privilégio.

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