Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 07, 2009

Polícia Investigadores punidos pagavam para ter cargo de volta

"Um carimbo e já era"

Um vídeo reforça a denúncia de que um advogado negociava cargos na polícia de São Paulo em nome de seu primo,
o ex-secretário adjunto de Segurança Malheiros Neto


Kalleo Coura

FLAGRANTE
Valente e seu interlocutor combinam dividir os lucros que conseguirem com novos clientes

Para ganhar o benefício da delação premiada, o investigador Augusto Pena, preso no ano passado, fez uma série de denúncias acusando colegas e superiores de "vender" cargos de direção na Polícia Civil de São Paulo. Pena está detido desde abril, acusado de sequestro e tentativa de extorsão. Entre as acusações que fez, estava a de que o ex-secretário adjunto de Segurança Pública Lauro Malheiros Neto havia negociado cargos com três delegados e "vendido" a reintegração de outros três policiais demitidos por tentativa de extorsão. Por caso, Malheiros Neto teria recebido entre 100 000 e 250 000 reais. O intermediador seria o advogado Celso Augusto Valente, primo e ex-sócio de Malheiros. Na semana passada, as denúncias de Pena ganharam áudio e vídeo. Numa gravação recebida pelo Ministério Público, o advogado Valente surge, de terno e óculos escuros, negociando com um investigador sua absolvição num processo administrativo. Em um trecho, ele diz ao seu interlocutor, identificado apenas como José Luiz: "Esse negócio de PA, parecer administrativo, é tudo baboseira. É um carimbo, um risco e já era". Noutro, procura vender seu peixe dizendo que as pessoas não têm "ideia do conceito que o Laurinho tem com o governador do estado". Lauro Malheiros Neto diz que foi "tudo armação" – inclusive o vídeo.

Chamou particularmente atenção o pedaço da conversa em que, indagado sobre como um delegado poderia se transferir do Departamento de Polícia Judiciária da capital para o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), o advogado Valente sugere que seria preciso ter em mãos entre 200 000 e 300 000 reais. O dado curioso é que o salário líquido médio de um delegado, no estado de São Paulo, gira em torno de 6 500 reais. Sendo assim, por que razão alguém se comprometeria em pagar, na melhor das hipóteses, quase dois anos e meio de salário adiantado para assumir um cargo que lhe renderia praticamente o mesmo salário que o anterior?

Nilton Fukuda/AE

"LAURINHO"
Lauro Malheiros Neto: para ele, é "armação". Mas com vídeo e tudo?

Uma das pistas para chegar a essa resposta está, por exemplo, num endereço da Rua Santa Ifigênia, no centro de São Paulo. Lá, bem debaixo do nariz dos policiais, mais precisamente a 100 metros do 3º Distrito Policial, funciona um dos maiores polos de distribuição de produtos pirateados no Brasil. "Nas divisões de narcóticos, antipirataria e nos Detrans, há um contexto de oportunidades propícias à corrupção", explica Claudio Beato, coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Uma série de pesquisas mostra que cerca de 1,5% da população de regiões metropolitanas já foi extorquida por policiais civis. "Ninguém tem interesse em comprar um cargo para a Divisão de Homicídios, onde a possibilidade de vender facilidades é praticamente inexistente", diz Beato. Para resumir, policiais corruptos querem determinados cargos – e pagam por isso – pelo mesmo motivo que políticos do PMDB: para fazer "negócios" muito, muito lucrativos.

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