Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 15, 2009

O cacarejo na política Gaudêncio Torquato

O governador paulista acertou na mosca, ou melhor, na galinha quando diz que o PT desenvolveu um extraordinário talento mercadológico, ponto fraco de seu PSDB. E lembra os estilos da galinha e da pata para comparar os dois partidos: a primeira põe um ovo pequenino, mas cacareja e todo mundo vê, enquanto a segunda põe um ovo maior e ninguém nota. O ovo da pata, segundo os nutricionistas, é mais completo que o da galinha, mas é este que gera atenção, intenção, desejo e ação - a fórmula AIDA - para estimular seu consumo. E o êxito se deve porque a fêmea do galo sabe alardear seu produto, cumprindo rigorosamente o preceito maquiavélico: "o vulgo só julga aquilo que vê." José Serra vocaliza aquilo que a nossa cultura política, mais que outra, internalizou, e cuja síntese é a máxima do filósofo canadense Marshall McLuhan nos anos 60: "o meio é a mensagem."

Para compreender como o cacarejo adquiriu importância central na política, é oportuno lembrar as tintas que desenham nossa identidade. Os estudiosos do ethos nacional costumam apontar, entre os valores que o plasmam, a falta de precisão, a adjetivação excessiva, o individualismo, a propensão ao exagero. Somos um povo de linguagem destemperada e de pensar fluido, indeterminado, misterioso. Por isso o Brasil passeia na gangorra, ora sendo o "melhor dos melhores", ora figurando no pior dos mundos. Ainda como pano de fundo para a verborragia, o País manteve, apesar da dimensão continental, a unidade linguística, o que facilita a capilarização de ideias e robustece a matriz do pensamento. Sob essa configuração, tem sido fácil aos nossos governantes por um aditivo no verbo e exagerar o tamanho de seus esforços. Por isso, em relação aos feitos administrativos, a verdade acaba bem antes do final dos relatos.

Antes mesmo de divisarmos as primeiras pontes que nos conduziram ao Estado-Midiático da era moderna, nossos mandatários, com muito cacarejo, acrescentavam palmos de altura ao seu tamanho, elevando as benesses dos governos e a grandeza das nações. Basta olhar para os contornos do Estado Novo, emoldurados pelas cores do Departamento de Imprensa e Propaganda getulista. Mergulhamos nas águas do Brasil potência, sob a onisciente comunicação do ciclo militar. Resgatamos os albores democráticos, a partir de 1986, com o governo Sarney, ouvindo mais uma vez cacarejos que vendiam as glórias de planos econômicos. Falácias acabaram frustrando o povo. Perplexos, assistimos ao marketing exacerbado do furacão Collor, até aportarmos, esbaforidos, na atual estação, em que um palanque permanente nas ruas foi estrategicamente armado pelo presidente Lula. Cada qual com seu modelo de entoar "causos", soltar recursos e amarrar apoios, os governos do ciclo da redemocratização descobriram o marketing como arsenal de batalha. Mas Luiz Inácio quer fazer do impossível o possível. Não é o PT, conforme diz Serra, mas Lula, o autor de um marketing devastador. O ex-sindicalista dá um banho em Getúlio, um sábio na arte de fazer firulas para as massas.

A metamorfose provocada pelo verbo lulista é tão extraordinária que poucos se ligaram à encrenca da semana: o PIB desaba no 4º trimestre, com queda de 3,6%, a maior em 12 anos, mas o País continua exposto como vitrine mundial de combate à crise. Verbo todo dia e verba toda hora canibalizam discurso contrário. O tom é dado pelo maestro. Com seu jeitão, Lula deixa Temístocles encabulado. O altivo ateniense não era de cacarejar. Convidado para tocar citara numa festa, o general declinou: "Não sei música, o que sei é fazer de uma pequena vila uma grande cidade." Regra geral, nossos governantes das três esferas federativas, afinando o tom com o maior dos tocadores, não hesitam em aceitar convites para manejar cítara, clarineta ou trombone. Abandonam o foco. Grande parte prefere trombetear no marketing que fazer de suas cidades e Estados territórios desenvolvidos e civilizados. Muitos se inebriam nas fontes do poder. Esquecem do ensinamento de Gogol: "Não é por culpa do espelho que as pessoas têm uma cara errada." É a ruína que o modelo pirotécnico de administrar oferece ao Brasil.

Não se questiona a necessidade do governante de comunicar ao povo ações e diretrizes de governo. É dever dos mandatários prestar contas de seus atos, o que exige boa comunicação. Não deve haver oposição à decisão de quem usa o canal legítimo, com mensagem apropriada, no momento propício e para atingir a públicos adequados. O que é mensagem apropriada? Na seara dos partidos, é a expressão de propostas. O que é desapropriado? O uso do palanque todo tempo, com venda de ilusões e apelos implícitos (ou explícitos) em direção aos votos. Quanta desfaçatez ilustra as imagens jornalísticas. Olhem para as mulheres campesinas, que realizaram um "devastaço" no Dia Internacional da Mulher. Não vestiam roupas franciscanas, modestos vestidos remendados. A estética da destruição de propriedades não exibia a imagem que nossa memória guarda, de pessoas necessitadas, simples, feições sofridas, pedindo "um pedaço de pão pelo amor de Deus". Ali desfilavam mulheres jovens, aparentando vigor, disposição, todas embrulhando as faces em exuberantes lenços coloridos, mais parecendo adereços descolados de butiques. Tal simbologia, regada de signos elitistas e impregnada do marketing espetaculoso, condiz com o traço revolucionário dos movimentos sociais?

E o que dizer dos jovens e entusiasmados quadros que militam no Ministério Público e na Polícia Federal? O bem que fazem ao País, quando procuram extirpar os tumores e paralisar a metástase, é corroído, não raras vezes, por luzes midiáticas e pelo crescente hábito de cacarejar. É triste ver massas de fervor cívico enfeitando as bandeiras da espetacularização. Que o Brasil precisa ser retocado na bigorna da moral ninguém duvida. Que isso se faça, porém, sob uma postura pública séria e responsável. Com menos alarido de galinha e mais recato de pata.

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