Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 07, 2009

Livros O capitalismo engajado de Ayn Rand

A papisa do liberalismo

Uma das mais ferozes defensoras da liberdade econômica, Ayn
Rand é criadora e única praticante da literatura capitalista engajada.
Longos e indigestos, seus romances são lidos com devoção por
empresários e economistas – especialmente com a crise

Hulton archive/Getty Images
A MORAL DO EGOÍSMO
Ayn Rand: desprezo pelo homem comum e elogio do autointeresse


Mal reputado entre críticos literários, mas admirado por muitos executivos, o romance Atlas Shrugged (Atlas Deu de Ombros), da russo-americana Ayn Rand (1905-1982), vem crescendo na lista de mais vendidos do site Amazon. Até dois anos atrás, como atesta o site TitleZ, que monitora o ranking da Amazon, Atlas Shrugged ficava abaixo do 500º lugar. Na semana passada, ocupava a 35ª posição, seis à frente de A Origem dos Meus Sonhos, o livro de memórias do presidente Barack Obama. Lançado originalmente em 1957 – e já publicado no Brasil com o título Quem É John Galt?, em edição hoje esgotada –, o calhamaço de Ayn Rand é uma fastidiosa exposição ficcional da filosofia da autora, o "objetivismo" – que nada mais é do que uma versão radical do liberalismo econômico. Sim, Ayn Rand produziu uma ave raríssima: um romance engajado que, no lugar de cantar as glórias totalitárias do comunismo, exalta os valores da ambição capitalista e do livre mercado. Há uma explicação curiosa para o sucesso extemporâneo de tal obra nestes tempos bicudos: é resultado não tanto da crise econômica em si, mas dos remédios que se têm aplicado contra o problema. Sempre que o governo americano aventa alguma nova intervenção no mercado, como o socorro aos bancos ou pacotes de estímulos, Atlas Shrugged sobe na lista de mais vendidos (veja o gráfico abaixo). Os fãs da autora, coerentes com seu ideário, protestam com os instrumentos do mercado.

Com heróis impolutos e muita discurseira, os livros da autora não são bem realizados como ficção. "Como toda literatura edificante e de propaganda, são ilegíveis", escreveu o romancista peruano Mario Vargas Llosa, insuspeito defensor do liberalismo econômico. Mas os admiradores da autora não se importam com suas falhas estéticas. Eles são seduzidos pelo ideário radical dos romances. Nascida na Rússia, Ayn Rand tinha boas razões para detestar todas as formas de ingerência do governo na vida privada. Ela viu a farmácia de seu pai ser transformada em propriedade do estado pelos bolcheviques. Exilou-se nos Estados Unidos em 1926, inicialmente tentando a sorte em Hollywood (foi até figurante em um filme de Cecil B. DeMille). Seu primeiro romance de sucesso foi A Nascente (editado no Brasil pela Landscape), de 1943. O livro narra a trajetória do arquiteto Howard Roark, um individualista irredutível. Vagamente inspirado no arquiteto modernista Frank Lloyd Wright, Roark não é um personagem – é a demonstração de uma tese, a saber: o egoísmo é a força motriz da criatividade, e o altruísmo é um empecilho ao desenvolvimento pleno do indivíduo. O sucesso de A Nascente e de Atlas Shrugged transformou Ayn numa espécie de papisa do liberalismo econômico (Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano, foi um de seus discípulos). Fiel à moral voluntarista de seus livros, a autora vivia segundo as próprias regras e vontades. Com 50 anos, tornou-se amante de um jovem aluno com metade de sua idade – e convocou uma reunião para comunicar o fato à mulher do amante e ao próprio marido.

A escola de Ayn Rand converteu os princípios de liberdade de mercado em uma ortodoxia draconiana. As recentes intervenções econômicas do governo americano – sejam de Bush ou de Obama – costumam ser histericamente tachadas de "socialistas" pelos institutos e centros de estudos inspirados pelo objetivismo. No entanto, há certas ideias da autora que não são totalmente compatíveis com o capitalismo. O desprezo pelo homem comum que seus romances destilam é contrário ao imperativo fundamental do mercado – servir à demanda dos consumidores. "Não pretendo construir para ter clientes, pretendo ter clientes para construir", diz o herói arquiteto de A Nascente. Não é exatamente o tipo de estratégia que garanta o sucesso empresarial.


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