Ações acertadas para enfrentar os efeitos da crise
têm seu efeito limitado pela situação mundial, mas
também pelo adiamento das reformas estruturais
Lucila Soares
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A severidade do noticiário econômico da semana passada soou como um lembrete de que, por mais preparado que esteja para atravessar a crise econômica mundial, o Brasil não está imune à tempestade. O produto interno bruto (PIB), soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país, registrou queda de 3,6% no último trimestre do ano passado em relação ao trimestre anterior. Foi o pior desempenho desde o quarto trimestre de 1990, quando o Brasil estava mergulhado na recessão provocada pelo Plano Collor. Ninguém esperava que o país continuasse crescendo no ritmo de 6% ao ano, que prevaleceu até setembro. A expectati-va era que os números apontassem uma desaceleração forte, mas não um tombo daquelas proporções. Todos os componentes do PIB recuaram – menos o que mede o consumo do governo, que subiu 0,5%. Os dois números mais preocupantes, por refletirem a insegurança generalizada, são o do consumo das famílias, que caiu 2% depois de cinco anos de crescimento, e o do investimento, que despencou 9,8%. O impacto desses números fez com que o corte de 1,5 ponto porcentual nos juros – o maior em cinco anos – decidido na quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária, o Copom, fosse encarado por boa parte dos analistas como uma medida insuficiente e, principalmente, tomada com atraso.
Roosevelt Cassio/AFP |
PROTESTO CONTRA A EMBRAER, que anunciou a maior demissão em massa entre as empresas brasileiras, por causa da queda nas exportações |
Não é bem assim. O patamar de 11,25% ao ano ainda é muito alto, e o Banco Central poderia, talvez, ter começado mais cedo a acelerar o corte na taxa básica de juros. Mas é importante lembrar que a real dimensão da crise internacional e de seu impacto sobre o Brasil só está suficientemente clara agora. "Depois de conhecer o desempenho do PIB no quarto trimestre, é fácil dizer que seis meses atrás o BC deveria ter feito outra coisa", avalia o economista Armando Castelar, da Gávea Investimentos. Em sua avaliação, a decisão foi tomada no tempo adequado e se insere numa sequência de ações corretas que vêm sendo adotadas pelo governo para reduzir o efeito do tsunami financeiro sobre bancos e empresas. São acertos que, no entanto, não têm o poder de promover a retomada da atividade econômica – o que depende, em última instância, da evolução do panorama internacional. O Brasil está, inegavelmente, em melhor situação do que boa parte dos outros países, e não corre o risco de quebrar. Mas isso não significa que a retração do comércio mundial não seja prejudicial ao país, nem representa garantia de que os empresários vão voltar a investir ou de que os bancos vão normalizar a oferta de crédito.
"A crise está mostrando que as ações de governo podem ser positivas para evitar que a situação se deteriore, mas têm efeito limitado", diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. Exemplo claro dessa limitação está na liberação para os bancos de 100 bilhões de reais em recursos que ficavam retidos como depósitos compulsórios. A decisão foi acertada, mas não resultou em aumento substancial da oferta de crédito, porque o medo da inadimplência tornou os bancos muito mais seletivos e, principalmente, mantém muito alto o spread (diferença entre o custo de captação do dinheiro e os juros cobrados ao tomador do empréstimo), afugentando as empresas. Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) confirma as dificuldades. Divulgada na semana passada, a consulta feita a 431 empresas em todos os estados mostra que 55% percebem um aumento do impacto da crise sobre seus negócios neste primeiro trimestre, sendo que 80% adotaram alguma medida em relação a seus empregados, como demissões ou concessão de férias coletivas. Para 39% dos entrevistados, as ações do governo não estão surtindo efeito.
Nem surtirão, enquanto não forem acompanhadas de mudanças estruturais. Mesmo uma queda mais acelerada da Selic, apontada como a panaceia para os males da economia brasileira, não resultará automaticamente na retomada da atividade econômica. Para José Júlio Senna, da MCM Consultores, o momento exige o que ele chama de "um choque de liberação das forças produtivas", ou seja, uma ação coordenada para remover entraves mais que conhecidos. A saber, redução da carga tributária, melhoria do ambiente de negócios e aumento do investimento em infraestrutura. Um pacote que exigiria redução substancial dos gastos correntes do governo, para dar espaço ao corte de impostos e recuperar a capaci-dade de investimento público. Infelizmente, isso é algo que não faz parte da tradição brasileira e fica ainda mais difícil com a campanha para as eleições de 2010 a pleno vapor no país.