Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 14, 2009

Crise Intervenção estatal nos EUA: o "socialismo"de Obama

SOCIALISMO? QUAL? ONDE?

A direita mais empedernida dos EUA acusa Obama de colocar o país
no rumo do socialismo – algo que não vai ocorrer nem com trilhões
de dinheiro público na economia nem com bancos estatizados


André Petry, de Nova York

Chip Somodevilla/Getty Images
EXPLICAÇÕES DO PRESIDENTE
Obama e a bandeira americana no estilo do realismo socialista: "Estamos operando de modo consistente com o livre mercado"


VEJA TAMBÉM
Nesta reportagem

Quadro: O crisômetro

No sábado ensolarado de 7 de março, um grupo de americanos de classe média reuniu-se num parque de Lafayette, no estado de Louisiana, para protestar contra a "agenda socialista" do presidente Barack Obama. Em duas horas, os manifestantes fizeram discursos contra a torrente de dinheiro público usada para salvar empresas e bancos e ergueram cartazes em que os democratas eram chamados de "comunistas" e a imagem de Obama aparecia decorada com foice e martelo, o símbolo dos partidos comunistas. Coisa de um grupelho de lunáticos que não tem mais que fazer? Nada disso. Eminências da direita mais empedernida da política americana deram para denunciar que as medidas tomadas por Obama para combater a crise estão colocando os Estados Unidos na rota do socialismo. "Socialismo, coletivismo, Stalin, como vocês quiserem chamar", esperneou o radialista mais popular e mais conservador do país, Rush Limbaugh. Aos 58 anos, ex-viciado em analgésicos, podre de rico e – incrível para um radialista – surdo dos dois ouvidos há oito anos, Limbaugh está se tornando o porta-voz da ala mais provocadora da direita republicana. "Obama está destruindo o capitalismo. Esse é o objetivo dele." Estridente como Limbaugh, há um batalhão.

O senador republicano Jim DeMint, da Carolina do Sul, diz que Obama é "o melhor propagandista do socialismo". O ex-quase-presidenciável Mike Huckabee, que perdeu a disputa pela candidatura para o senador John McCain, disse que Obama está criando "repúblicas socialistas" no país, e completou: "Lenin e Stalin iam amar isto aqui". O assunto virou capa de revista e está no parachoque dos carros na forma de adesivos que saúdam o presidente como "camarada Obama" e o país como "União dos Estados Socialistas da América". Os trombeteiros do "socialismo americano" começaram a se agitar porque, para domar a crise, o governo americano está drenando oceanos de dinheiro público na economia, despertando o perigo do gigantismo estatal. A uma única seguradora, a AIG, já deu 180 bilhões de dólares. Só para os dois maiores bancos, Bank of America e Citigroup, entregou 100 bilhões. Às duas maiores indústrias automobilísticas, GM e Chrysler, foram 17 bilhões e talvez despache mais 22 bilhões. O mais pedestre raciocínio ideológico concluiu que, se a Casa Branca está se metendo em diversos setores da economia, o socialismo chegou à América. Ou, se ainda não chegou, está a caminho.

Fotos Justin Sullivan/Getty Images e Saul Loeb/AFP
A CAMINHO DA RECESSÃO?
Pandit, do Citigroup, e um acampamento na Califórnia: parece sem-terra brasileiro, mas é americano que não tem onde morar

A coisa piorou quando Obama entregou ao Congresso sua proposta de Orçamento para o ano fiscal de 2010. Com 3,6 trilhões de dólares, a proposta é ousada e promete uma guinada radical em boa parte das políticas públicas que o país vem adotando nos últimos trinta anos. Obama propõe universalizar o sistema de saúde, incorporando os 40 milhões de americanos que hoje não têm nenhum tipo de assistência. Quer ampliar o papel do governo na educação primária, aumentar a ajuda federal aos estudantes de baixa renda que entram na universidade e implantar uma política de proteção ambiental inteiramente diferente, que força a redução da emissão de poluentes à base de taxações. Para financiar tudo isso, em parte, Obama pretende aumentar os impostos dos 5% mais ricos – os que ganham acima de 250 000 dólares anuais. Tudo muito socialista para os defensores mais férreos do estado mínimo. Para completar, veio a conversa de estatizar os bancos. Foi a gota-d’água. O governo resiste à estatização e nega que estude a ideia. Como os bancos não se aprumam apesar das maciças injeções de dinheiro público, o assunto segue em pauta – e feriu um nervo ideológico.

Na semana passada, ao dar uma entrevista aos repórteres do New York Times a bordo do Air Force One, Obama foi confrontado com uma pergunta impensável de ser feita a qualquer de seus antecessores: "O senhor é socialista?". Claro, ele não levou muito a sério a pergunta. Horas depois, telefonou para o jornal para explicar-se melhor. Disse que custara a acreditar que a pergunta fosse para valer e lembrou que a intervenção nos bancos não começou no seu governo. "Estamos operando de modo inteiramente consistente com os princípios do livre mercado", disse. É quase constrangedor que Obama tenha de se explicar sobre tamanho disparate. A intervenção do governo americano – seja despejando dinheiro na economia, seja ampliando a rede de proteção social aos mais humildes, seja estatizando bancos – não resultará em nada que se pareça com socialismo. Socialismo não taxa os ricos – elimina-os, fisicamente inclusive. Socialismo não indeniza empresários ao nacionalizar seus bens – expropria-os. Socialismo também não estatiza um pedaço da economia – estatiza tudo, a começar pelo sistema financeiro, como fez Lenin (1870-1924) assim que sua revolução bolchevique se tornou vitoriosa na Rússia, em 1917. Ninguém, além dos corneteiros da provocação ideológica, acha que isso esteja sendo discutido nos Estados Unidos.

Fotos Jasper Junien/Getty Images e Jacques Langevin/Corbis Sygma
LIÇÃO DA HISTÓRIA
Fila de desempregados na Espanha, e Mitterrand e Thatcher em 1987: o breve socialismo francês

A intervenção estatal, por si só, tem uma diferença crucial de natureza quando é aplicada em países socialistas e capitalistas. No socialismo, o estado intervém para excluir e eliminar o mercado. No capitalismo, dá-se o contrário. A intervenção contempla o mercado, e só ocorre para corrigir defeitos onde o próprio mercado não conseguiu fazê-lo. É o que está sendo debatido nos Estados Unidos e nos países europeus, sobretudo na Inglaterra e na Alemanha. O próprio Adam Smith (1723-1790), o escocês considerado pai do liberalismo, rejeitava a intervenção hostil ao mercado, mas não a outra. Smith era sensível à necessidade dos pobres, razão pela qual não descartava liminarmente a ingerência do estado. Preocupou-se com o assunto com mais vagar que o inglês John Maynard Keynes (1883-1946), cujas ideias intervencionistas, com a emergência da crise, voltaram a ser festejadas. Keynes deteve-se menos no estudo do estatismo como meio de amparar os mais humildes. "Otto von Bismarck tinha mais a dizer sobre isso do que Keynes", escreveu o indiano Amartya Sen, professor de Harvard laureado com o Nobel em 1998. (Bismarck, para quem não lembra, era o delicado chanceler alemão para quem diplomacia e negociação nada resolviam. Era ferro e sangue – mas foi justamente ele o pai da previdência social universal na Alemanha.)

A estatização como solução para levar a classe operária ao paraíso fracassou na União Soviética, no Leste Europeu e só existe como um fantasma de si mesma em países falidos como Cuba e Coreia do Norte. Já foi tentada, inclusive, num dos países centrais do mundo desenvolvido – a França de François Mitterrand (1916-1996). Em 1982, Mitterrand estatizou 36 bancos e indústrias consideradas estratégicas. Na época, os socialistas franceses acreditavam que o estado era um administrador mais justo e eficiente do que os capitalistas. Deu tão errado que, já no ano seguinte, Mitterrand começou a reprivatizar tudo outra vez. Na mesma época, a primeira-ministra inglesa, a dama de ferro Margaret Thatcher, executava com sucesso uma receita inversa: batia duro no movimento sindical e livrava a Inglaterra do que ainda havia dos traços socializantes do Partido Trabalhista. Mitterrand morreu de câncer em 1996. Thatcher vive entrevada pela demência senil. A experiência de ambos, um pela afirmação e outra pela negação, deixou a mesma lição para a história: é melhor um capitalismo em crise do que um socialismo em flor.

"A discussão de que a estatização bancária levaria ao socialismo está deslocada. É óbvio que o governo sanearia os bancos para reprivatizá-los assim que a crise financeira estivesse superada", diz Eric Maskin, economista da Universidade Princeton e Prêmio Nobel de 2007. Ou seja: discute-se uma estatização destinada a recolocar a engrenagem capitalista na sua rotação máxima, e não o inverso. É por isso que vozes insuspeitas de qualquer arreganho marxista-leninista já aventaram a ideia de nacionalizar os bancos, como Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, o banco central americano. Na verdade, o FDIC, órgão do governo que garante todos os depósitos bancários até 250 000 dólares, tem estatizado pequenos bancos em escala acelerada. "A um ritmo de dois por semana", informa o economista Paul Krugman. No ano passado, no governo de George W. Bush, estatizou-se o IndyMac, banco da Califórnia que não resistiu a uma corrida de saques e, agora, está para ser vendido por 13,9 bilhões de dólares a um consórcio de sete investidores. Em 1984, no governo do presidente Ronald Reagan, contemporâneo de Mitterrand e Thatcher, estatizou-se o Continental Illinois, de Chicago, então o sétimo maior do país. Em 1994, o banco foi reprivatizado.

No capitalismo é assim que funciona – e é assim que se pretende fazer nos Estados Unidos caso os bancos venham a ser nacionalizados. A medida assusta a direita radical, mas também incomoda o americano médio, historicamente avesso ao expansionismo estatal. Os americanos não são como os franceses, que sempre adoraram um mimo do estado – pelo menos desde os tempos de Jean-Baptiste Colbert (1619-1683), o incansável ministro da Fazenda de Luís XIV que disciplinava a economia com rigor de ourives. Na brutal recessão dos anos 30, o presidente Franklin Roosevelt (1882-1945) ampliou tanto o papel do estado que parecia um mamute soviético (veja o quadro). Superou a depressão e venceu a II Guerra Mundial, colocando os EUA na rota da potência incontrastável que se tornaria. Mesmo assim, a estatização de bancos não era bem-vista. Pesquisa do instituto Gallup, realizada em 1937, mostrou que 42% dos americanos eram contra o controle estatal dos bancos e 41% a favor. Recentemente, a rede de TV CBS refez a pesquisa: só 14% disseram apoiar a presença de bancos estatais e 76% são contra. Ou seja: a repulsa popular à estatização é um dos motivos pelos quais Obama resiste a nacionalizar os grandes bancos, e os republicanos, por sua vez, insistem em acusá-lo de socialista.

Além disso, a estatização bancária não é panaceia. "É uma questão complexa", alerta o economista Bruce Scott, professor da Universidade Harvard. Complexa porque pode fragilizar os bancos sadios e causar pânico a correntistas. Complexa porque dirigir banco não é uma vocação de governos – nos EUA, com suas 8 000 instituições bancárias, o governo não tem nem barnabé suficiente para comandar rede tão vasta. No início dos anos 90, a Suécia estatizou seu sistema. A experiência deu certo, tem sido muito debatida nos EUA, mas os suecos, mesmo com um sistema muito menor que o americano, penaram para gerir todos os setores em que os bancos se metiam – a coisa ia da contratação de mercenários no Iêmen à guarda de uma guitarra que se dizia ter sido de John Lennon. Se estatizar o Citigroup, a Casa Branca terá de tomar o lugar de Vikram Pandit, o principal executivo do banco e encarregado de prestar contas ao príncipe saudita Alwaleed, o maior acionista individual. É dureza. Cioso do acerto de suas apostas financeiras, o príncipe vive dias de doloroso descrédito. Quando saiu o segundo socorro oficial ao Citi, perguntaram-lhe se haveria um terceiro. Disse que não. Fleumaticamente, arrematou: "É cereja no bolo". O terceiro socorro saiu há três semanas.

Ninguém sabe exatamente aonde esta crise vai, mas pouca gente acha que já esteja perto do fim. Na Espanha, o desemprego é galopante. Nos EUA, começam a surgir até acampamentos de sem-teto, lembrando os dias terríveis da depressão da década de 30. Na semana passada, VEJA ouviu seis economistas, dos quais três são prêmios Nobel. Nenhum sabe aonde a crise vai parar, e apenas um, Edward Prescott, da Universidade Estadual do Arizona, acha que pode estar perto do fim, bastando que os bancos retomem seu papel produtivo (veja quadro). O desafio é como fazer isso. A crise bancária é de tal magnitude, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, que a Suíça, oásis bancário dos endinheirados de todo o mundo, já teme por sua estabilidade como país. Os ativos dos bancos suíços são quase sete vezes o PIB do país. Discute-se a estatização na Inglaterra, onde dois bancos, Northern Rock Bank e Royal Bank of Scotland, na prática já estão sob comando estatal. Na Alemanha, dá-se o mesmo debate, e com uma dificuldade adicional: a menção à palavra Enteignung – expropriação – provoca arrepios e remete ao doloroso passado em que os nazistas rapinaram e dizimaram os judeus, deixando uma cicatriz indelével na alma alemã.

A estatização nos países ricos também produz outro tipo de constrangimento – o fato de a receita sempre ter sido negada aos países em desenvolvimento na Ásia e na América Latina. "Dizíamos que eles deveriam deixar seus bancos e empresas falir, sem ajuda governamental", lembra Jeffrey Garten, da Universidade Yale e ex-assessor do governo de Bill Clinton. "Agora, estamos fazendo o contrário do que aconselhávamos." É certo que os governos europeus e americano não deixarão de estatizar setores da economia apenas para não se desmentirem, mas a situação tem resultado uma densa discussão sobre o futuro do capitalismo. Em janeiro passado, em Paris, o presidente francês Nicolas Sarkozy e o ex-primeiro-ministro inglês Tony Blair promoveram um seminário para debater o assunto. O jornal inglês Financial Times iniciou uma série sobre o tema, convidando pensadores e líderes mundiais para refletir sobre o "novo mundo, novo capitalismo" – entre eles, o presidente Lula. Em seu artigo, Lula criticou os "dogmas econômicos" apresentados como "verdades absolutas", e limitou-se a dizer que qualquer ordem econômica e social que vier depois da crise terá de se preocupar com "o ser humano".

A busca pela felicidade humana é nobre, mas traiçoeira. Já levou à Atenas de Sócrates e ao Khmer Vermelho de Pol Pot. E a lorota de que o socialismo está à espreita não ajuda a iluminar o caminho. Como o poeta grego Constantino Cavafy sugere em seu poema À Espera dos Bárbaros, os provocadores do tipo do radialista Rush Limbaugh parecem usar o espectro do socialismo para unir pelo medo. Afinal, se os bárbaros não virão mais, o que nos manterá unidos? O socialismo chegou aos Estados Unidos na segunda metade do século XIX, levado por imigrantes alemães que conheciam os escritos de Karl Marx, o autor do Manifesto Comunista. Eles prosperaram até a primeira década do século passado, movidos pelo espírito da época e pelo carisma de seu líder, o ferroviário Eugene Debs, que foi preso em 1895, leu Marx na cadeia e saiu defendendo a luta de classes. Nos anos 20, os socialistas começaram a encolher. Nunca mais tiveram expressão política. Em 2004, quando Bush foi reeleito, os socialistas americanos – cuja legenda se chama Partido Socialista da Igualdade – lançaram um candidato. Chamava-se Bill Van Auken, morador de Nova York. Teve 1 857 votos.

Alexis C. Glenn/UPI/Landov
A VOZ DA REAÇÃO
Sem um novo Reagan, os republicanos têm de se contentar com o provocador Rush Limbaugh

A UNIÃO PELO MEDO
O radialista Rush Limbaugh e o presidente Obama, na semana passada: o espectro socialista na função de bárbaros
Jason Reed/Reuters

"Não acho que (Obama) pensa que está destruindo o país. Acho que ele sabe que está destruindo um sistema que, para ele, é injusto, desigual. Ele está destruindo o capitalismo. Esse é o objetivo dele. Ele quer destruir o capitalismo"

"Para eles, o capitalismo é ganância. É egoísmo. Eles é que são os bons. Eles adoram pensar assim deles mesmos. Na verdade, o que Obama está fazendo é cruel"

O comunista Roosevelt

Ele, sim, fixava preço, salário, jornada
e se metia até em eleição sindical

Bettmann/Corbis/Latinstock
UM NOVO OLHAR
O juiz Louis Brandeis, da Suprema Corte: capitalismo humanizado


Quando se ouve falar dos trilhões de dólares que Barack Obama está despejando em empresas e bancos, fica-se com a impressão de que a Casa Branca nunca interferiu tanto na economia. É engano. Ao assumir o governo, em 1933, Franklin Roosevelt, então com 51 anos, dos quais passou 25 só pensando em como chegar à Presidência, encontrou um cenário desolador. O desemprego castigava 13 milhões de americanos, 10 000 bancos haviam falido, o PIB caíra 25%, 1 000 americanos perdiam sua casa por dia. Com o apoio da opinião pública e do Congresso, Roosevelt lançou o pacote mais intervencionista da história americana, o New Deal. As leis – numerosas, detalhadas e quase todas inconstitucionais – davam-lhe poderes inimagináveis hoje em dia. O governo podia fixar o preço do litro do leite, estabelecer cotas de produção de petróleo, definir o tamanho da jornada de trabalho dos bancários, fechar o mercado a indústrias estrangeiras, dar e cancelar licenças de negócios. Roosevelt se metia até em eleição sindical. Coisa de dar inveja a líder soviético.

"Era difícil imaginar leis que fossem mais agressivas ao laissez-faire, à liberdade de contrato e à competição de livre mercado", escreveu Peter Irons, autor de A People’s History of the Supreme Court (Uma história da Suprema Corte sob a ótica do povo), um livro fabuloso em que narra, com precisão e argúcia, as decisões mais relevantes da história da Suprema Corte. "Também era difícil imaginar leis que se baseassem em noções tão elásticas dos poderes constitucionais." Roosevelt criou uma burocracia tão volumosa que alguns patrões tinham de pagar salários diferentes em diferentes horas do dia de trabalho. Cabia ao governo dizer aos agricultores o número de hectares em que podiam plantar algodão ou milho. Ao pecuarista, quantas cabeças de gado podia criar ou o tamanho de seu aviário. Para garantir a implantação das leis, o presidente criou uma agência cujo comando entregou a um general fascista que adorava o ditador italiano Benito Mussolini. Eram outros tempos. Mussolini estava no poder fazia uma década. Adolf Hitler chegara ao comando da Alemanha havia um mês.

Corbis/Latinstock
ERA DESOLADOR
Um acampamento de sem-teto nos anos 30

Passaram-se dois anos, de 1933 a 1935, até que as primeiras leis do New Deal chegassem ao julgamento da Suprema Corte, que começou então a cortar as asas discricionárias do presidente. Tal como um comissário soviético, Roosevelt esperneou. Em conversa hoje célebre com repórteres na Casa Branca, falou de suas preocupações. E se a fábrica cortar o salário mínimo, o que os operários farão? E se aumentarem a jornada de trabalho das costureiras até 9 da noite, o que as meninas farão? Sairão às 5 da tarde, arriscando perder o emprego? Para cortar as asas da Suprema Corte, Roosevelt maquinou uma intervenção pela qual acrescentaria em todos os tribunais um novo juiz para cada juiz com mais de 70 anos. Dos nove juízes da Suprema Corte, seis eram septuagenários. A proposta não foi em frente, mas os velhinhos começaram a se aposentar. Um dos primeiros foi Louis Brandeis, magistrado rigoroso, avesso às grandes empresas e – coisa rara então – preocupado com direitos humanos.

Em seu tempo, Roosevelt também foi sistematicamente acusado de socialista. Aristocrático e poliglota, ele foi, como diz uma de suas numerosas biografias, "um traidor de sua classe". Não deu trégua a empresários e industriais. Foi o presidente que mais se empenhou em dar assistência a desempregados, amparar velhos e proteger trabalhadores. Foi o "comunismo" de Roosevelt que salvou a economia? Provavelmente não. O que arrancou o país da recessão foi o esforço para entrar na II Guerra e decidi-la, e não o intervencionismo do New Deal. Mas Roosevelt mudou a própria organização da sociedade americana. Só depois dele os humildes do capitalismo ganharam um lugar à mesa.

Arquivo do blog