Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 07, 2009

Chinês faz lance falso no leilão da Christie’s

Espírito de porco

Em nome do dever patriótico, empresário chinês driblou
os controles da Christie’s, arrematou duas peças saqueadas
no século XIX e ainda tripudiou: não vai pagar

Fotos Alain Nogues-Corbis-Latin Stock eChina Fotos-Getty Images
A CASA CAIU
Cai Mingchao fez o lance falso e diz, mas ninguém acredita, que agiu sozinho

Por qualquer critério estético que se use, e em especial se comparadas às fabulosas obras produzidas em 5.000 anos de história chinesa, as duas esculturas abaixo são, no mínimo, esquisitas. O coelho tem orelhas desproporcionais e traços estranhamente antropomórficos; o rato parece uma anta. Para a China, no entanto, as esculturas de bronze viraram questão de honra nacional pelo valor simbólico, pois foram saqueadas no século XIX, num período histórico que parece até fictício de tão absurdo – era o tempo das guerras do Ópio, quando a Inglaterra queria forçar a venda da droga vinda dos campos de papoula da Índia colonial aos chineses e as demais potências ocidentais queriam forçar a venda de qualquer outra coisa. O coelho e o rato faziam parte de uma fonte com os doze animais do horóscopo chinês, uma das incontáveis peças decorativas do prodigioso Palácio de Verão dos imperadores da época, saqueado e incendiado em 1860 por tropas francesas e inglesas em represália pela tortura e morte de vinte emissários que negociavam uma trégua, num dos maiores casos de choque cultural da história recente – os chineses não entendiam o conceito de imunidade e os invasores estrangeiros entendiam, mas usaram assim mesmo, o critério da força desproporcional, em represália. Como inúmeras obras saqueadas antes dos tratados internacionais recentes que regem o direito das nações ao próprio patrimônio, o coelho e o rato acabaram legitimados e incorporados à coleção do costureiro francês Yves Saint Laurent, morto no ano passado, e seu sócio e companheiro, Pierre Bergé. Em nome do amor de sua vida e da benemerência, Bergé levou a leilão na Christie’s de Paris 700 peças da coleção. Desafiando a crise, o leilão amealhou impressionantes 478,8 milhões de dólares. Exceto pelas esculturas chinesas: os lances vencedores de 20 milhões de dólares, soube-se na semana passada, foram falsos.

ANO DA ZEBRA
O rato e o coelho: longe de casa

Quem os fez foi o empresário chinês Cai Mingchao, que considerou seu dever patriótico melar a venda. Para quem conhece minimamente a China, parece próxima de zero a probabilidade de que Cai tenha agido de moto próprio. Mas como a tarimbada Christie’s foi cair nessa? Cai foi um, digamos, instrumento adequado. Ele é do ramo do comércio de arte, tem uma casa de leilões na China e há três anos pagou 15 milhões de dólares por um Buda de bronze da dinastia Ming. A quem dá o lance mais alto, a Christie’s pede ficha bancária e de crédito, e a de Cai passou no crivo. Como ele não pagou, e ainda tripudiou, o mais provável é que as esculturas voltem para Bergé. O governo chinês, que fez uma grande campanha contra o leilão das esculturas, sustenta oficialmente que não tem nada com a história, engendrada por Cai em conjunto com Niu Xianfeng, diretor do Programa de Recuperação de Relíquias Culturais Perdidas, uma organização não-governamental (hummmm). A tentativa de recuperar o patrimônio perdido é legítima e louvável, especialmente na China, onde tesouros incontáveis foram destruídos pelos próprios chineses, durante o maoísmo. Cinco das doze esculturas originais – tigre, boi, macaco, porco e cavalo – foram adquiridas discretamente por estatais e empresários chineses e doadas a museus. Agora, tudo indica, a política é fazer barulho. Nesse campo, pelo menos, o leilão deu zebra.

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