A presidente Dilma exaltou a democracia brasileira na reunião de Davos. Ela não disse, mas todos sabem: é vantagem que a China não tem, nem a Rússia pode falar com a mesma firmeza. A Índia tem, mas com a nódoa das castas e de um sistema judicial desafiado por tribunais primitivos, como o que condenou esta semana uma mulher ao estupro coletivo.
Nada disso a presidente falou; nem poderia. Estava lá para atrair investidores para o Brasil e não para criticar os outros. Mas, hoje, os investidores — pelo menos os melhores — sabem o valor de haver instituições sólidas para um país acertar.
Ao falar da economia, foi previsível. Garantiu que não há os deslizes que os críticos têm apontado. Ao falar do número que preocupa muito os que analisam com detalhes a economia brasileira, fez um recorte favorável. Disse que a dívida bruta caiu de 61% do PIB para 58%. Ela pegou o pico que houve em 2009, que subiu por causa da crise, e comparou com o último número. Mais correto seria dizer o que todos sabem: ela recebeu a dívida em 53,35% e a fez subir até 59,9%. Agora, está em 58,4%.
Falou das reservas cambiais de US$ 375 bilhões. Mas o Banco Central divulgou ontem um salto no déficit em transações correntes. Chegou a US$ 81 bilhões, saindo de 2,4% para 3,6% do PIB.
A presidente falou das vantagens do Brasil como destino de investimentos, em um momento em que está havendo mais fluxo negativo. Ressaltou a oportunidade de um mercado interno crescente, de uma infraestrutura que precisa de investimentos e garantiu que está buscando o centro da meta de inflação. Na sua avaliação, o mundo voltará a crescer e isso fará com que países como o Brasil passem a ser olhados com mais atenção.
Essa percepção de que o mundo vai entrar numa fase de mais crescimento é a mesma descrita na ata do Copom divulgada esta semana. Mas o Brasil tem previsão de crescimento menor que a média mundial. O próprio presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, disse em Davos que o país precisa crescer mais do que os 2% no qual anda rondando.
No mercado brasileiro, os economistas têm uma visão parecida. A nova economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, por exemplo, disse que está um pouco mais otimista em relação à inflação e menos com o PIB. Acredita que o IPCA deve ficar abaixo do número de 2013, mas a taxa de crescimento pode cair para menos de 2%.
— Há quem avalie que o mundo crescendo mais pode puxar o Brasil. Mas estamos mal posicionados nessa recuperação. O Brasil tem pouco a oferecer em termos de exportações para EUA e Europa. A Argentina em crise cambial pode afetar nossas vendas de manufaturados. Buscar a saída pela América Latina é o que o Brasil já faz — explicou.
Zeina acredita que o governo está colhendo o que plantou em termos de política econômica, ou seja, a escolha de combater a inflação unicamente com a alta dos juros está limitando a capacidade do país crescer. Para 2014, a Selic em dois dígitos vai afetar os investimentos.
— As pessoas não querem a inflação alta, e a presidente Dilma já mudou um pouco o seu discurso. O problema é que a política fiscal não ajuda. Os juros vão afetar os investimentos e o PIB — afirmou.
A economista discorda da visão de que apenas o setor financeiro esteja cauteloso com o governo. Acha que a avaliação é a mesma entre o empresariado, embora o discurso das empresas seja um pouco mais otimista.
Seja para investidor externo ou interno, setor financeiro ou economia real, é preciso mais do que um discurso para quebrar a desconfiança derivada do baixo desempenho do país nos últimos anos.
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