Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, janeiro 20, 2014

O governo Dilma e os mercados - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS


VALOR ECONÔMICO - 20/01

Um analista de economia precisa ter uma combinação pouco comum de dons. Precisa ter conhecimento profundo de vários domínios e combinar talentos que não se encontram em um mesmo homem com frequência. Precisa entender de matemática, história, pensar como homem de Estado e ser filósofo em certa medida. Precisa compreender os símbolos e se exprimir por palavras. Precisa pensar no particular, mas nos termos do geral e abordar o abstrato e o concreto dentro do mesmo processo de pensar. Deve estudar o presente à luz do passado e com vista para o futuro. Nada na natureza do homem ou de suas instituições pode escapar de sua atenção. Ele precisa ser ao mesmo tempo resoluto e desinteressado; ele deve ser distante e incorruptível como um artista e, ao mesmo tempo, algumas vezes tão terra a terra como um político. John Maynard Keynes, 1930

O texto acima foi escrito há 84 anos e faz parte de um pequeno livro editado recentemente na França. Lido na fria e quase deserta Cidade Luz na primeira semana de um ano novo, ele teve um impacto muito forte em mim. Trouxe uma quase necessidade de voltar a ler alguns dos textos mais importantes deste extraordinário economista que moldou minha forma de pensar as questões econômicas. Mas, voltei bruscamente ao mundo de hoje quando de maneira surpreendente o presidente da República Francesa - François Hollande - fez declarações públicas comunicando que iria mudar de forma estrutural sua política econômica. Algo na linha do Choque de Capitalismo do governador Mario Covas e que lançado de maneira inesperada - quando ainda era governador do Estado de São Paulo - causou perplexidade na ala mais à esquerda do PSDB.

A diferença principal entre estes dois momentos é, entretanto, muito grande e, na linha do que escreveu Keynes nos anos 30, precisa ser devidamente qualificada. O Partido Socialista Francês é uma das referências da esquerda democrática por sua história de lutas e pela rigidez de sua ideologia econômica. Para ele o Estado deve ser a grande força condutora da economia, reservando ao setor privado e aos mercados um papel subsidiário e menor. E o presidente francês fez sua carreira política em um dos grupos mais à esquerda do espectro político do PS francês. Vivendo hoje um momento de muita fragilidade na opinião pública, e convencido de que o caminho trilhado até agora não levará a uma recuperação sustentada da economia, decidiu por uma saída quase revolucionária. Uma repetição clara do chamado cavalo de pau na economia anunciado pelo então todo poderoso chefe da Casa Civil do presidente Lula em 2003.

A diferença principal é que no caso do PT em 2003 havia um modelo alternativo e pronto a ser seguido. François Hollande terá que recuar ainda mais no tempo e buscar na Alemanha de Helmut Schmidt, o chanceler socialista nos anos noventa do século anterior, uma fonte de inspiração. Mas o maior obstáculo que o presidente francês encontrará serão as diferenças históricas entre seu povo francês e o alemão. Lula, no Brasil de 11 anos atrás, lidava com o mesmo povo.

Mas não quero aqui tratar das questões francesas e alemãs. Temos no nosso Brasil desafios suficientes para que eu gaste este meu espaço para refletir sobre os problemas de outras sociedades. As palavras de Keynes na abertura desta coluna - o analista precisa pensar no particular mas nos termos do geral - abrem, no meu entender, o caminho para trazer ao leitor algumas reflexões para o futuro usando o cavalo de pau francês como referência. A questão de fundo sobre a qual devemos refletir é qual deve ser o equilíbrio entre Estado e mercados em uma sociedade como a brasileira neste início de século.

Qual a função de um e do outro? Quais os limites de intervenção do Estado na economia e como organizar a liberdade dos mercados para que funcionem com eficiência sem excessiva concentração de renda? Quais são os exemplos exitosos nos quais devemos nos inspirar? Na Alemanha dos sindicatos poderosos ou nos Estados Unidos da liberdade total dos contratos de trabalho privados? A China, de um comunismo hoje apenas virtual e em desmonte acelerado, pode ou não trazer algum ensinamento a nós brasileiros? E os anos Lula de Meirelles vis a vis o governo bem mais centrado na intervenção do Estado da presidente Dilma, pode ele nos ensinar alguma coisa? Vale a pena o governo fazer luta de classes na sua relação com o mercado como vêm pregando alguns membros mais radicais do PT?

Estas são questões que trouxe na minha bagagem de analista das coisas da economia e que pretendo desenvolver este ano. Afinal, se ocorrer a reeleição da presidente Dilma para mais um mandato de quatro anos, não está claro qual caminho dos citados acima ela vai trilhar. As hipóteses são duas: tomar o exemplo francês como referência e refazer o equilíbrio dos anos Lula ou manter os conflitos que hoje separam a política econômica do Palácio do Planalto dos mercados.

Apenas uma última palavra aos leitores, principalmente aos mais agitados com o estado atual da economia brasileira: leiam com profundidade o relatório de 33 páginas da agência de rating Fitch sobre a economia brasileira e que manteve inalterado o rating BBB da dívida externa.

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