O GLOBO
Se o governador do Rio, Sérgio Cabral, leva até seu cachorrinho de helicóptero para o fim de semana em Mangaratiba e pretende continuar agindo assim, sem noção de que sua ostentação é ofensiva aos cidadãos do estado que governa, merece ser duramente criticado.
Os protestos podem até mesmo sitiá-lo no palácio onde despacha, e é discutível se sua residência privada deve ser ponto de protestos, perturbando a paz da vizinhança. O melhor mesmo talvez fosse que se mudasse para o Palácio das Laranjeiras, mas essa é outra discussão.
Mesmo que infiltrados nas manifestações existam agentes de seus concorrentes oposicionistas, como ele acusa, os protestos só encontram eco porque o governador tornou-se, por seus hábitos e gestos, um mau exemplo de homem público, mesmo que seja um bom administrador. Os inegáveis avanços na política de segurança pública, a melhoria econômica do estado, tudo é louvável, mas nada disso dá permissão ao governador de abusar de seus poderes transitórios.
Mas o que aconteceu ontem nas ruas do Leblon e de Ipanema é inaceitável em uma democracia, e não porque sejam os bairros mais ricos da cidade, mas porque vandalismo e depredação não são métodos de quem luta pela melhoria de vida das populações, mas de bandidos que devem ser repudiados pela sociedade e presos.
O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Erir Ribeiro Costa Filho, revelou que fizera um acordo com a Ordem dos Advogados do Brasil e algumas instituições ligadas aos direitos humanos, como a Anistia Internacional, para não usar gás lacrimogêneo nem bombas de efeito moral, e o que se viu foram horas e horas de vandalismo nas principais ruas do bairro, mostradas tanto pela Globo News quanto pela Mídia Ninja, sem que nenhum policial aparecesse.
Só os arredores da residência do governador estavam fortemente policiados. Isso não acontece em parte alguma do mundo civilizado. O que a OAB tem a dizer, ela que se propôs a intermediar uma trégua? A impressão é que não se tem nem governo nem polícia nem lideranças capazes de combater a ação dos grupos de vândalos, perfeitamente identificáveis pelo Facebook.
Se os policiais não têm treinamento suficiente para enfrentar essas turbas sem cometer excessos, estamos mal parados. Se, por outro lado, ficam paralisados diante das acusações de abuso de força, estamos, nós os cidadãos, também em maus lençóis. Se, como adeptos de teorias da conspiração divulgam pela internet, a polícia do Rio de Janeiro deixou de atuar para justificar atitudes mais violentas em futuras manifestações, contando com a rejeição da população à baderna que tomou conta das ruas, estamos no pior dos mundos.
O desolamento que causava ontem ver o asfalto queimado, as lojas arrebentadas, bancas de jornal depredadas pelas ruas do Leblon só é comparável à revolta que dá ler as trocas de mensagens de pessoas que defendem abertamente no Facebook a depredação de bancos e prédios públicos como método de ação política.
Houve até quem tentasse pateticamente justificar os saques à loja da Toulon no Leblon dizendo que se tratava de uma loja para ricos, que tinha lucros com o trabalho escravo. Outro garantia que o produto dos saques foi distribuído entre moradores de rua das redondezas, querendo dar uma pátina de justiça social ao ato de puro banditismo.
O que aconteceu no Rio ontem já havia acontecido, em menor escala, na semana anterior e nas manifestações de junho em diversas cidades do país.
O ataque ao prédio do Itamaraty em Brasília, com coquetéis molotov provocando incêndios em seu interior, deveria ter representado uma linha simbólica da transgressão, a partir da qual as manifestações deixam de ser legítimas expressões de uma democracia vigorosa para passarem a ser sintomas de um país desgovernado, sem capacidade de distinguir a diferença entre Estado de Direito e baderna.
Entrevista:O Estado inteligente
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