O Estado de S.Paulo - 03/08
Depois de declarar solenemente, no dia 26, que faria "de tudo para salvar o euro e, creiam-me, isso será suficiente", o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi (foto), avisou ontem que não pode fazer nada. E, sem mais cerimônia, devolveu a bola para os dirigentes políticos: "O BCE não pode substituir os governos e outras instituições". Ou seja, o Super-Mario não é nada do que se supunha ser.
Foi um banho gelado nos mercados (veja o Confira). Assim como as declarações da semana passada, reforçadas com pronunciamentos de apoio a Draghi por parte da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e do presidente da França, François Hollande, haviam arrancado entusiasmo, as novas afirmações produziram enorme decepção.
Mas, afinal, o que é "fazer de tudo para salvar o euro" numa situação real em que não se pode fazer nada?
O que aconteceu entre os dois pronunciamentos de conteúdos tão opostos é agora objeto das mais variadas especulações. O ortodoxo Bundesbank (banco central da Alemanha) pode ter vetado o projeto avançado de Draghi. Mas, nesse caso, por que então Merkel o apoiou com força?
Será que os analistas, os mercados e os políticos interpretaram mal as declarações de Draghi na semana passada e passaram a esperar dele o que ele não tem como dar? Mas, outra vez, por que então os principais chefes de governo da área do euro respaldaram a mensagem de Draghi tal como foi entendida?
Talvez Draghi e as demais autoridades imaginassem poder virar o jogo adverso e, assim, atrair os apavorados aplicadores de volta aos títulos soberanos da Espanha e da Itália, apenas com lindos gorjeios vindos de suas gargantas. Nesse caso, a erosão de credibilidade pode ter sido enorme.
Draghi disse ainda que os Estados necessitados de socorro devem pedi-lo ao fundo europeu de resgate. O primeiro ministro da Itália, Mario Monti, teve pressa em negar que as finanças do seu país precisam de ajuda. Por sua vez, o presidente de governo da Espanha, Mariano Rajoy, além de apoiar as novas falas de Draghi, desconversou sobre se vai pedir ou não socorro ao fundo de resgate.
Ora, Itália e Espanha são os dois países cujos títulos de dívidas soberanas vinham sendo severamente rejeitados pelos investidores, a ponto de serem obrigados a pagar rendimentos (yields) e juros próximos e, em alguns casos, superiores a 7% ao ano, já em níveis insustentáveis. Se, como disseram, não precisam de ajuda e têm condições de enfrentar a rejeição dos mercados, qual é então o problema?
Na verdade, tanto Monti quanto Rajoy não querem recorrer aos fundos salvadores. Ambos os líderes sabem que teriam de aceitar as tais condicionalidades. E, nessas condições, as finanças soberanas, sejam elas da Itália ou da Espanha, ficariam sob controle da troica (BCE, Fundo Monetário Internacional e União Europeia).
Sob o efeito da nova postura de Draghi, os mercados desabaram. Mas a principal consequência da confissão de impotência por parte dele é que os títulos de dívida de Itália e Espanha voltam ao status de cachorros abandonados, sujeitos a encaminhamento para os centros de controle de zoonose.