O GLOBO - 15/08
O Fundo Garantidor de Crédito (FGC), no fundo, virou isso: um apagador de incêndios. Ontem, ele anunciou como pretende resolver o caso do banco Cruzeiro do Sul, que, como sempre acontece nestes casos, tem um rombo maior do que o calculado inicialmente. Um detalhe a ter em mente: esse banco tinha 499 convênios com órgãos públicos de crédito consignado e mentia sobre seus ativos.
Essa já pode ser chamada de crise bancária. Não é sistêmica, não tem a dimensão da que o Brasil enfrentou nos anos 1990, mas são cinco bancos e uma financeira quebrados. Os bancos Schahin, Morada, Panamericano e Cruzeiro do Sul sofreram intervenção. A financeira Oboé e o banco Morada foram liquidados.
O FGC anunciou ontem a engenharia financeira da tentativa de solução. Ele, Fundo, pagará uma parte da conta. Os credores, outra.
A alternativa, dizem os gestores do FGC, era os credores internos e externos do banco perderem tudo.
O Cruzeiro do Sul inventava carteiras que não existiam. Fingia ter equilíbrio financeiro. Entrou forte no mercado de consignado e fez quase 500 convênios com prefeituras, estados e órgãos federais para oferecer essa modalidade a funcionários.
Também com base no falso equilíbrio, lançou títulos no exterior.
Captou exatos R$ 3,3 bilhões. Internamente, captou de correntistas e pequenos poupadores R$ 700 milhões e de fundos de pensão e investidores maiores R$ 2,2 bi. Quando o BC entrou fez a intervenção usando o instrumento do Raet (Regime de Administração Especial Temporária). Achava que ele tinha um rombo de R$ 1,2 bi, mas tem R$ 2,2 bi de patrimônio líquido negativo.
O Fundo decidiu que vai honrar tudo que é obrigado: conta corrente e aplicação têm direito a receber até R$ 70 mil, e os Depósitos Garantidos, os DPGE, têm cobertura até R$ 20 milhões.
O que exceder a esse valor, ele recompra com deságio de 49%. Fez a mesma oferta ao credor externo. Então em cada R$ 100 emprestados ao Cruzeiro do Sul o que está se pedindo aos credores é que aceitem R$ 51. Mas só para quem tiver mais do que os valores citados (R$ 70 mil em conta corrente e R$ 20 milhões em DPGE).
Se houver grande adesão à proposta, o banco será colocado à venda, com exigências. Uma é a de que o comprador capitalize a instituição em R$ 700 milhões, pelo menos, e tenha porte para suportar a operação.
E o que acontecerá com administradores e controladores? Se o banco fosse liquidado, eles ficariam com bens indisponíveis e cobririam com esses bens o prejuízo que acarretaram. Mas se a solução for "de mercado", e o banco foi vendido, então liberam-se os bens e os responsáveis pela falcatrua escapam ilesos.
No Proer há quem esteja com os bens indisponíveis até hoje, respondendo na Justiça e correndo o risco de execução das dívidas por parte do BC. Com a nova safra de intervenções via Fundo Garantidor de Crédito, criam-se soluções que são supostamente de mercado, mas que na prática são bancadas com dinheiro do público.
Antes que alguém argumente que FGC é uma instituição privada e que o dinheiro é dos bancos, eu explico: não é dinheiro público, mas também não é privado. Os bancos repassam aos seus clientes o que eles recolhem ao Fundo. Portanto, é o seu, o meu, o nosso que está neste fundo.
O FGC argumenta que os donos e administradores continuarão respondendo às investigações de BC, Polícia Federal, CVM. Tomara, porque do contrário vai se estabelecer o chamado moral hazard, ou seja, desmoralização. Pode-se quebrar o banco e ir cuidar da vida porque o FGC arcará com a maior parte da perda, resolver tudo e vender o banco.
O pior caso foi o Panamericano. Ele também fabricou ativos e fraudou. Mas o FGC absorveu mais de R$ 4 bi de perdas e o vendeu para o BTG Pactual por uma pequena fração. Os donos e administradores nada devem. Ficou por isso mesmo.
No Panamericano foi o golpe perfeito. Como um pouco antes de se descobrir o rombo a Caixa entrou de sócia, decidiu-se apagar o incêndio rapidamente antes que tivesse que ser cumprida a lei. Imagina a Caixa sendo executada?
A grande dúvida é: até onde vai o poder de fogo do apagador de incêndios?