Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, agosto 01, 2012
A outra face da 'musa' - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 01/08
Se a história do bicheiro Carlinhos Cachoeira fosse o enredo de um romance policial, o desavisado leitor teria motivos para se sentir logrado pelo autor ao chegar à página que narra a tentativa da parceira do protagonista, Andressa Mendonça - chamada com ligeireza pela imprensa de "musa" da CPI que leva o nome de guerra do contraventor Carlos Augusto Ramos -, de chantagear um juiz federal. Porque, mesmo na literatura do gênero, as tramas concebidas pelo novelista, conquanto trepidantes, têm de guardar um mínimo de nexo com os fatos da vida. E, nesse caso, o hipotético ficcionista teria ultrapassado a fronteira do verossímil.
Para prender a atenção do seu público, criminosos saídos da cabeça de um escritor que se preze têm de se distinguir, entre outros atributos, pela esperteza: quanto mais astutos, cerebrais, imaginosos, mais capazes também de encobrir os seus malfeitos e de ameaçar com o ridículo a reputação dos detetives no seu encalço. Bandalhos apatetados, apenas se a ideia é fazer rir pelo absurdo das situações em que se envolvem - como a do assaltante trapalhão que aponta uma arma para o caixa de uma casa de penhores e vê o funcionário tirá-la de suas mãos e, com um muxoxo, dizer-lhe que só vale uma ninharia.
A isso parece se equiparar, no mundo real, o espantoso misto de primitivismo e soberba que levou lady Cachoeira a tentar corromper, pela intimidação, o juiz Alderico Rocha Santos, responsável pelo processo que corre na 11.ª Vara da Justiça Federal em Goiás contra o seu noivo, namorado, companheiro ou como se queira designar o empresário de mil e uma estripulias nos negócios e na vida pública do Estado (e arredores). Santos é o terceiro juiz a assumir a ação penal resultante da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, que mantém na cadeia desde 29 de fevereiro o caudaloso contraventor.
O primeiro, que autorizou a sua prisão, deixou o caso, dizendo-se ameaçado. O seu substituto natural declarou-se impedido. Sobrou para Santos, cujas decisões incluem a de ordenar a prisão do então senador Jader Barbalho, em 2002, por envolvimento no escândalo da Sudam. Achando que ele era "meio capiau", como teria dito, ou, talvez, "se achando", Andressa apareceu na última quinta-feira no gabinete do juiz. Conforme Santos contaria ao Ministério Público, ela exigiu que mandasse soltar o bicheiro e o absolvesse da penca de acusações de que é alvo. Se acedesse, ela evitaria a publicação de um dossiê contra ele, que teria feito chegar ao redator-chefe da revista Veja em Brasília, Policarpo Júnior.
Em dado momento, para mostrar que falava sério, escreveu num papel os nomes de três amigos de Rocha Santos mencionados no suposto dossiê. Não pegou. Tão logo ela se retirou, deixando a anotação, o juiz denunciou a investida. Anteontem, Andressa foi detida, levada a depor, liberada sob fiança de R$ 100 mil, proibida de se comunicar com Cachoeira e demais réus do processo e acusada de corrupção ativa. Outro inquérito a investiga por lavagem de dinheiro. Os promotores federais consideram Andressa "mensageira" da organização criminosa do bicheiro, que, ressaltam, "continua a desenvolver ações de enfrentamento do próprio Estado".
Antes de aprontar com o juiz, a "musa" tinha depoimento marcado para a próxima terça-feira na CPI, como testemunha. (No dia seguinte, será a vez da ex-mulher de Cachoeira, Andreia.) Membros da comissão acreditam que ela é mais do que mera "laranja" nas traficâncias do grupo do parceiro, como se supunha: "uma operadora da organização", aponta o relator da investigação, deputado Odair Cunha, do PT mineiro. Ele defende a quebra dos sigilos de Andressa e o seu indiciamento. Nessa hipótese, ela será ouvida como investigada. Decerto portará um mandado que lhe permitirá calar-se. O importante, de toda forma, é a advertência feita pelo Ministério Público Federal em Goiás.
Tosca e truculenta, a investida da beldade, que se fazia notar também pela prontidão para verter lágrimas, deixa claro que, apesar do cerco policial, das decisões judiciais adversas aos seus interesses e da própria CPI, a quadrilha de Cachoeira segue ativa - e desafiadora.
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