Valor Econômico - 19/12/2011 |
No início de novembro, um grupo de estudantes abandonou um conhecido curso de Harvard de introdução à economia, "Ciências Econômicas 10", lecionado por meu colega Greg Mankiw. A reclamação: o curso propaga ideologia conservadora disfarçada de ciência econômica e ajuda a perpetuar a desigualdade social.
Os estudantes fazem parte do crescente coro de protestos contra as ciências econômicas modernas da forma como são ensinadas nas principais instituições acadêmicas do mundo. As ciências econômicas sempre tiveram seus críticos, é claro, mas a crise financeira e suas sequelas lhes deram nova munição, que parece validar as antigas acusações contra as suposições pouco realistas da profissão, assim como sua reificação dos mercados e desprezo pelas preocupações sociais.
Mankiw, por sua vez, achou que os estudantes que protestavam estavam "mal informados". As ciências econômicas não têm ideologia, retorquiu. Citou John Maynard Keynes e destacou que as ciências econômicas são um método que ajuda as pessoas a pensar mais claramente e a alcançar respostas corretas, sem conclusões políticas predeterminadas.
De fato, embora possa entender-se o ceticismo de quem não esteve imerso em anos de estudos avançados de economia, os trabalhos feitos pelos alunos em um curso típico de doutorado em economia produzem uma variedade desconcertante de receitas políticas, dependendo do contexto específico. Algumas das estruturas que os economistas usam para analisar o mundo favorecem o livre mercado, enquanto outras não. Na verdade, boa parte das análises econômicas são voltadas a compreender como a intervenção dos governos pode melhorar o desempenho econômico. E motivações não econômicas e comportamentos socialmente cooperativos são cada vez mais parte dos assuntos estudados por economistas.
Como o grande economista internacional Carlos Diaz-Alejandro, já falecido, disse certa vez, "atualmente, qualquer estudante universitário esperto, se escolher suas suposições [...] cuidadosamente, pode produzir um modelo consistente, recomendando praticamente quaisquer medidas políticas às quais ele fosse favorável inicialmente". E isso foi na década de 70! Um economista aprendiz não precisa mais ser particularmente esperto para produzir conclusões de políticas não ortodoxas.
Ainda assim, os economistas precisam aguentar acusações de que não saem das raias ideológicas, porque eles mesmos são seus piores inimigos no que se refere a aplicar suas teorias no mundo real. Em vez de comunicar todo o arsenal de perspectivas que sua disciplina oferece, eles mostram confiança excessiva em soluções em particular - frequentemente aquelas que melhor se encaixam em suas próprias ideologias.
Vejamos a crise financeira mundial. A macroeconomia e as finanças não carecem das ferramentas necessárias para entender como a crise surgiu e se desenrolou. De fato, a literatura acadêmica está repleta de modelos de bolhas financeiras, informações assimétricas, distorções dos incentivos, crises autorrealizáveis e risco sistêmico. Nos anos que levaram à crise, no entanto, muitos economistas menosprezaram as lições desses modelos em favor dos que tratavam sobre a eficiência e o poder de autocorreção dos mercados, o que, na esfera das políticas, resultou em supervisão inadequada dos mercados financeiros pelos governos.
Em meu livro "O Paradoxo da Globalização", imagino o seguinte experimento. Consiste em que um jornalista ligue a um professor de economia e pergunte se um acordo de livre comércio com o país X ou Y seria uma boa ideia. Podemos ter quase certeza de que o economista, assim como a ampla maioria das pessoas na profissão, se mostrará empolgado em seu apoio ao livre comércio.
Em outra situação, o repórter não se identifica e diz ser um estudante no seminário universitário avançado do professor sobre teoria do comércio internacional. Ele faz a mesma pergunta: O livre comércio é bom? Duvido que a resposta será tão rápida e sucinta. Na verdade, é provável que o professor se sinta bloqueado com a pergunta. "O que você quer dizer com "bom"?", ele perguntará. "E "bom" para quem?"
O professor, então, entrará em uma longa e cansativa exegese, que acabará culminando em uma declaração pesadamente evasiva: "Então, se a longa lista de condições que acabei de descrever for cumprida e supondo que podemos tributar os beneficiários para compensar os que saíram perdendo, um comércio mais livre tem o potencial para melhorar o bem-estar de todos." Se estivesse em dia inspirado, o professor poderia até acrescentar que o impacto do livre comércio no índice de crescimento da economia não seria claro e dependeria de um conjunto inteiramente diferente de requisitos.
A afirmação direta e incondicional sobre os benefícios do livre comércio agora foi transformada em uma declaração adornada com todos os tipos de "se" e "mas". Estranhamente, o conhecimento que o professor transmite de boa vontade e com grande orgulho a seus estudantes avançados é considerado impróprio (ou perigoso) para o público em geral.
O ensino das ciências econômicas no nível universitário sofre do mesmo problema. Em nosso empenho para mostrar as joias da coroa da profissão de forma imaculada - a eficiência do mercado, a mão invisível, a vantagem comparativa - nós pulamos as complicações e nuances do mundo real, tão conhecidas como são na disciplina. É como se os cursos de introdução à física presumissem um mundo sem gravidade, porque assim tudo ficaria muito mais simples.
Aplicadas apropriadamente, com uma dose saudável de senso comum, as ciências econômicas nos teriam preparado para a crise financeira e nos indicado a direção certa para consertar o que a causou. Mas a ciência econômica que precisamos é a do tipo da "sala de seminário" e não a do tipo "geral". Precisamos das ciências econômicas que reconheçam suas limitações e saibam que a mensagem apropriada depende do contexto.
Negligenciar a diversidade de orientações intelectuais dentro de sua disciplina não torna os economistas melhores analistas do mundo real. Nem os torna mais populares. (Tradução de Sabino Ahumada)
Dani Rodrik é professor de Economia Política na Harvard University e autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy" (o paradoxo da globalização: democracia e o futuro da economia mundial, em inglês).
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