Valor Econômico - 12/12/11
"Produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo". Escrita em 1994 por Paul Krugman, economista posteriormente agraciado com o prêmio Nobel, em boa medida como reconhecimento à sua contribuição nesse campo de estudos, esse aforismo, tão citado nos últimos tempos, tinha uma clara razão de ser. Refletia os desafios, ainda na ordem do dia, enfrentados pelos Estados Unidos nos anos de lento crescimento da produtividade vividos desde os choques dos preços de petróleo da década de 1970. Interessante é que, exatamente nessa época, a revolução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) começava a impulsionar a produtividade da economia americana, ajudando a tornar anacrônico o Paradoxo de Solow - "vejo computadores em toda parte menos nas estatísticas de produtividade", assertiva igualmente famosa, feita em 1987 por Robert Solow, outro ganhador de Prêmio Nobel.
No entanto, passados dez anos de colheita dos frutos da revolução digital, agora sim devidamente expressos nas robustas taxas de crescimento da produtividade que se verificaram nos EUA entre 1995 e 2005, o crescimento da economia norte-americana arrefeceu, mostrando o outro lado da afirmativa de Krugman: no longo prazo, produtividade é quase tudo, mas não é tudo.
Conceitualmente, produtividade nada mais é que a razão entre a quantidade de produto obtido e a quantidade de insumo utilizado na sua elaboração. Nesses termos, é uma medida da eficiência com que uma unidade econômica converte insumos em produtos e, como tal, é um objetivo socialmente desejável, que deve ser perseguido por todos os agentes econômicos. Porém, na teoria econômica persiste uma visão convencional que vai muito além, colocando a produtividade como variável síntese do funcionamento da economia. Nessa visão, primeiro, a produtividade é a explicação não somente para os custos mas também para os preços. Segundo, a produtividade é a explicação para a competitividade das empresas e das nações. E, terceiro, a produtividade é a explicação para o nível de emprego e para o ritmo de crescimento econômico.
Não é difícil arrolar lacunas implícitas a esse tipo de formulação. Os processos concretos de formação de preços não são independentes da organização industrial, de questões regulatórias, de expectativas e de tantos outros fatores que comandam a precificação em oligopólios. Com relação à competitividade, além da produtividade, ela expressa também o resultado de um sem número de outros fatores determinantes e, fundamentalmente, não se esgota em uma dimensão preço pois a concorrência não se dá somente em custos, mas, também, e cada vez mais, em esforço de venda, diferenciação de produtos e inovação tecnológica.
O próprio Krugman enfatizou esse ponto com a ideia de que a competitividade pode propiciar o aumento das escalas produtivas e este gerar o incremento da produtividade, exatamente a relação causal inversa. Por fim, cabe questionar a transmissão automática entre o aumento da produtividade e o crescimento econômico, posto que é a existência de demanda o fator efetivo da criação de empregos. Assim, trajetórias de aumento de produtividade que não sejam acompanhadas de aumento equivalente da demanda podem gerar desemprego e recessão. O crescimento da demanda pela produção setorial depende, por sua vez, de uma série de fatores dentre os quais se destacam a evolução do padrão de consumo das famílias, da inserção externa da economia e suas mudanças ao longo tempo, da dinâmica da formação bruta de capital fixo (investimento fixo) das empresas e do governo; e, finalmente, do progresso técnico que afeta todos os anteriores.
Contudo, é quando esse debate mal resolvido no plano teórico migra para o campo empírico que o enigma da produtividade se manifesta em sua dimensão mais desafiadora. A despeito do enorme esforço de pesquisa e a consequente enxurrada de testes estatísticos, tabelas, gráficos e que tais, os indicadores de produtividade literalmente se recusam a exibir resultados conclusivos. O problema aqui decorre principalmente do modo superficial, descuidado até, com que um conceito, que é bem definido ao nível do processo de trabalho no chão de fábrica, é transplantado para agregados econômicos. Afinal, qual é o significado analítico de uma medida agregada de produtividade (o valor médio do PIB por trabalhador seja no total da economia ou em setores de atividade ou em regiões ou em outras tantas agregações possíveis)? Especialmente em sociedades heterogêneas, como é a norma em economias em desenvolvimento, qual é a relação entre as quantidades físicas de distintos produtos obtidos por distintas equipes de trabalhadores operando distintos equipamentos de produção e a produtividade monetária agregada?
Evidentemente, não são perguntas de fácil resposta. Porém, mais do que estabelecer as relações, o desafio do economista é entender as interações. Se produtividade fosse tudo, "fazer mais com menos" constituiria objetivo suficiente para orientar a política pública. Como não é, torna-se imperativo buscar "fazer diferente", especialmente fazer "coisas" diferentes. Entre as duas visões, a essencialidade do papel atribuído aos processos de mudança estrutural e sua efetiva função na propulsão do desenvolvimento econômico. No pragmatismo que necessariamente deve nortear a formulação da política econômica, decifrar o enigma da produtividade exige não confundi-la com o mero "produtivismo", isto é, a busca desenfreada de eficiência como mecanismo exclusivamente voltado para a ampliação dos lucros privados, sem qualquer preocupação em assegurar o pleno retorno social dessas transformações. Do contrário, seremos devorados. Feliz ano velho para todos nós.
"Produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo". Escrita em 1994 por Paul Krugman, economista posteriormente agraciado com o prêmio Nobel, em boa medida como reconhecimento à sua contribuição nesse campo de estudos, esse aforismo, tão citado nos últimos tempos, tinha uma clara razão de ser. Refletia os desafios, ainda na ordem do dia, enfrentados pelos Estados Unidos nos anos de lento crescimento da produtividade vividos desde os choques dos preços de petróleo da década de 1970. Interessante é que, exatamente nessa época, a revolução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) começava a impulsionar a produtividade da economia americana, ajudando a tornar anacrônico o Paradoxo de Solow - "vejo computadores em toda parte menos nas estatísticas de produtividade", assertiva igualmente famosa, feita em 1987 por Robert Solow, outro ganhador de Prêmio Nobel.
No entanto, passados dez anos de colheita dos frutos da revolução digital, agora sim devidamente expressos nas robustas taxas de crescimento da produtividade que se verificaram nos EUA entre 1995 e 2005, o crescimento da economia norte-americana arrefeceu, mostrando o outro lado da afirmativa de Krugman: no longo prazo, produtividade é quase tudo, mas não é tudo.
Conceitualmente, produtividade nada mais é que a razão entre a quantidade de produto obtido e a quantidade de insumo utilizado na sua elaboração. Nesses termos, é uma medida da eficiência com que uma unidade econômica converte insumos em produtos e, como tal, é um objetivo socialmente desejável, que deve ser perseguido por todos os agentes econômicos. Porém, na teoria econômica persiste uma visão convencional que vai muito além, colocando a produtividade como variável síntese do funcionamento da economia. Nessa visão, primeiro, a produtividade é a explicação não somente para os custos mas também para os preços. Segundo, a produtividade é a explicação para a competitividade das empresas e das nações. E, terceiro, a produtividade é a explicação para o nível de emprego e para o ritmo de crescimento econômico.
Não é difícil arrolar lacunas implícitas a esse tipo de formulação. Os processos concretos de formação de preços não são independentes da organização industrial, de questões regulatórias, de expectativas e de tantos outros fatores que comandam a precificação em oligopólios. Com relação à competitividade, além da produtividade, ela expressa também o resultado de um sem número de outros fatores determinantes e, fundamentalmente, não se esgota em uma dimensão preço pois a concorrência não se dá somente em custos, mas, também, e cada vez mais, em esforço de venda, diferenciação de produtos e inovação tecnológica.
O próprio Krugman enfatizou esse ponto com a ideia de que a competitividade pode propiciar o aumento das escalas produtivas e este gerar o incremento da produtividade, exatamente a relação causal inversa. Por fim, cabe questionar a transmissão automática entre o aumento da produtividade e o crescimento econômico, posto que é a existência de demanda o fator efetivo da criação de empregos. Assim, trajetórias de aumento de produtividade que não sejam acompanhadas de aumento equivalente da demanda podem gerar desemprego e recessão. O crescimento da demanda pela produção setorial depende, por sua vez, de uma série de fatores dentre os quais se destacam a evolução do padrão de consumo das famílias, da inserção externa da economia e suas mudanças ao longo tempo, da dinâmica da formação bruta de capital fixo (investimento fixo) das empresas e do governo; e, finalmente, do progresso técnico que afeta todos os anteriores.
Contudo, é quando esse debate mal resolvido no plano teórico migra para o campo empírico que o enigma da produtividade se manifesta em sua dimensão mais desafiadora. A despeito do enorme esforço de pesquisa e a consequente enxurrada de testes estatísticos, tabelas, gráficos e que tais, os indicadores de produtividade literalmente se recusam a exibir resultados conclusivos. O problema aqui decorre principalmente do modo superficial, descuidado até, com que um conceito, que é bem definido ao nível do processo de trabalho no chão de fábrica, é transplantado para agregados econômicos. Afinal, qual é o significado analítico de uma medida agregada de produtividade (o valor médio do PIB por trabalhador seja no total da economia ou em setores de atividade ou em regiões ou em outras tantas agregações possíveis)? Especialmente em sociedades heterogêneas, como é a norma em economias em desenvolvimento, qual é a relação entre as quantidades físicas de distintos produtos obtidos por distintas equipes de trabalhadores operando distintos equipamentos de produção e a produtividade monetária agregada?
Evidentemente, não são perguntas de fácil resposta. Porém, mais do que estabelecer as relações, o desafio do economista é entender as interações. Se produtividade fosse tudo, "fazer mais com menos" constituiria objetivo suficiente para orientar a política pública. Como não é, torna-se imperativo buscar "fazer diferente", especialmente fazer "coisas" diferentes. Entre as duas visões, a essencialidade do papel atribuído aos processos de mudança estrutural e sua efetiva função na propulsão do desenvolvimento econômico. No pragmatismo que necessariamente deve nortear a formulação da política econômica, decifrar o enigma da produtividade exige não confundi-la com o mero "produtivismo", isto é, a busca desenfreada de eficiência como mecanismo exclusivamente voltado para a ampliação dos lucros privados, sem qualquer preocupação em assegurar o pleno retorno social dessas transformações. Do contrário, seremos devorados. Feliz ano velho para todos nós.