O Globo
Sempre considerei o (ainda) ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, um dos bons quadros da política nacional, e escrevi aqui uma coluna, quando ele foi reeleito prefeito de Belo Horizonte, definindo-o como "um petista light" ou, na sua própria definição, "um petista não xiita", que sabe que os avanços da sociedade brasileira fazem parte de um processo de mudança que vem se acumulando ao longo dos últimos anos, consolidado a partir da implantação do Plano Real, em 1994.
Ele, na ocasião, comemorou a reeleição de Lula como um sinal confirmador de que o país rumava para ser uma sociedade menos excludente.
Economista com mestrado em Ciência Política, Pimentel via com otimismo o processo político do país, considerando que, para além das crises do mensalão, dos dossiês, das CPIs, da crise ética que dominava a discussão política, existia uma movimentação subterrânea que muitas vezes não é sentida por quem está envolvido no dia a dia da política, mas que tem uma pujança semelhante aos movimentos políticos dos anos 30 que levaram à modernização do país.
Pimentel mantém com o governador Aécio Neves uma relação mais que cordial, de parceria mesmo, e é um dos petistas que defendem a aproximação do PT com o PSDB.
Considera que os dois partidos têm projetos semelhantes para o país, sintonizados com essa busca de uma sociedade menos injusta. Essa união seria necessária para aprovar no Congresso as reformas estruturais de que o país necessita para crescer.
Por isso, surpreendi-me quando o noticiário da campanha presidencial de 2010 o flagrou como o organizador de uma verdadeira tropa de choque no comitê de Dilma, com a contratação de arapongas e jornalistas para espionar adversários de dentro e de fora do partido, e preparar dossiês contra o candidato do PSDB, José Serra, inclusive com a quebra de sigilo de parentes do tucano.
Superada essa crise, que tirou seu protagonismo na campanha mas não na equipe ministerial depois da eleição de Dilma Rousseff, ele confirmou seu prestígio pessoal com a eleita, mesmo que no PT houvesse — e ainda haja — grupos importantes que não lhe perdoam a aproximação com o tucano Aécio Neves.
Encontrei-o meses atrás em um restaurante no Rio, e em rápida conversa, constatei que continuava com o mesmo pensamento.
Estava satisfeito com a carta com que a presidente Dilma cumprimentara o ex-presidente Fernando Henrique pelos seus 80 anos, chamando-o de "estadista", e me disse que a solução para a governabilidade passava por um acordo político com o PSDB, que desse prioridade a programas e não ao fisiologismo.
A revelação de que o ministro Fernando Pimentel estava às voltas com "consultorias" mal explicadas me pareceu, no primeiro momento, uma represália política de seus desafetos internos no PT mineiro, tese que continua sendo a mais provável até o momento.
Mas, a cada explicação que Pimentel dá sobre suas "consultorias", mais me convenço de que ele pode ter sido vítima de um "fogo amigo". Mas deu motivos para tal, expôs-se à sanha de seus inimigos.
O mesmo, aliás, ocorreu com o ex-ministro Antonio Palocci, outro petista que, no meu ponto de vista, tinha uma visão política de longo prazo e ajudava no desenvolvimento de um processo político menos selvagem, abrindo chances para o diálogo.
Palocci, no entanto, caiu duas vezes por questões morais que o inviabilizaram para essa tarefa. A quebra do sigilo do caseiro Francenildo Pereira na Caixa Econômica foi um absurdo totalitário inconcebível numa democracia.
Já as "consultorias" deixaram a sensação de que não podiam ser explicadas com provas materiais, o que inviabilizou sua presença no governo.
Com o (ainda) ministro Fernando Pimentel aconteceu a mesma coisa, com pequenas diferenças. A mais notória é a diferença de cifras: R$ 2 milhões de um contra R$ 20 milhões de outro.
Seus amigos tentam usar a diferença para minimizar o caso de Pimentel, o que, a meu ver, não faz sentido. O faturamento, não podendo ser explicado por documentos e provas, tem a mesma origem duvidosa nos dois casos e coloca a suspeição de tráfico de influência de dois petistas importantes, dois ex-coordenadores da campanha presidencial.
A mais recente tentativa de reduzir a gravidade do caso de Pimentel é comparar suas "consultorias" a um lobby empresarial, o que não seria crime, mas atuação usual no Congresso.
O fato de ser usual não retira a ilegalidade do ato. Mas o caso chama atenção para a necessidade de regulamentação do lobby, uma função que existe nas democracias e tem nos Estados Unidos a origem do nome e da atividade, totalmente legalizada.
Os lobistas eram aqueles que ficavam no lobby (entrada) do Congresso tentando influenciar os parlamentares com seus argumentos a favor deste ou daquele projeto.
Quando ocupou a presidência da Câmara dos Deputados, no final da década de 70, Marco Maciel instituiu o credenciamento dos "lobistas", apenas para dar um ar de organização a uma atividade que sempre foi exercida nas sombras, mas cujos executores são bastante conhecidos de todos.
Eleito senador, apresentou em 1983 um projeto de lei para regulamentar a atividade de "lobby" no Congresso Nacional, projeto aprovado seis anos depois e que, desde então, permanece engavetado na Câmara dos Deputados.
No Artigo 1, diz: "as pessoas físicas ou jurídicas que exercerem qualquer atividade tendente a influenciar o processo legislativo deverão registrar-se perante as Mesas Diretoras do Senado Federal e Câmara dos Deputados".
Para obter o registro, os interessados — pessoas físicas ou jurídicas — deveriam fornecer declaração, entre outros, do capital social e, depois de registrados, ficam obrigados a declarar o recebimento de qualquer doação.
Os lobistas registrados teriam ainda a obrigatoriedade de prestar contas, de seis em seis meses, dos gastos relativos à sua atuação. O objetivo principal era criar condições para "prevenir e expurgar eventuais tentativas de canalização de interesses inadequados e da má influência do poder econômico, que possam distorcer as decisões das duas Casas de representação popular".
Se estivesse em vigor, talvez Fernando Pimentel pudesse provar a lisura de seu procedimento.