A redução da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central
surpreendeu o mercado que esperava algo, sim, mas não 0,50 ponto
porcentual de uma só vez, pelo menos agora. A interpretação dos
analistas foi muito clara, a prioridade agora é evitar que a economia
cresça menos do que os 3,5% e até mesmo 3% que já se fala com mais
frequência em Brasília. A inflação preocupa, sim, mas o risco de
desaceleração é forte, com desemprego preocupando mais ainda.
Os dados do IBGE, divulgados nesta sexta-feira, confirmam isso. O
Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 0,8% no segundo trimestre,
menos que os 1,2% do primeiro trimestre e apenas 3,2% nos últimos 12
meses. E não há sinais de que essa retração se reverta nos dois
trimestres finais do ano.
Havia muita dúvida no mercado em torno da decisão do BC. Precipitada,
afirmavam alguns, imprudente acrescentavam outros, houve influência do
governo que teme recessão, concluíam terceiros. No mercado
internacional, a decisão foi vista como ousada.
É aqui, não lá fora. O argumento de que a decisão foi adotada por
causa dos desdobramentos da crise externa não convenceu porque a
turbulência persiste, mas não se agravou nas últimas semanas. Para a
maior parte dos analistas foi a desaceleração do crescimento interno e
não do externo que motivou o BB a antecipar-se e agir. O desafio não é
que o mundo está crescendo menos, mais a economia brasileira está
recuando mais do que se esperava e não seria prudente esperar. O
fantasma de 2008 não convenceu. Para o respeitadíssimo Affonso Celso
Pastore, em artigo de sexta-feira no Estado, surpreendeu o BC ter se
espantado com o fantasma de 2008, admitindo que sem uma queda
significativa dos juros a desaceleração pode ser maior. O mundo vive
uma desaceleração, sim, mas até aqui muito diferente do que ocorreu
após a queda do Lehman Brothers, afirma ele, que usa a expressão
"crise externa", entre aspas. Pastore, e para a maior parte dos
economistas que analisaram a decisão do BC, o maior problema está
aqui, não lá fora.
Para o governo, crescer menos de 3% é inaceitável. E tudo indica que o
BC tende a seguir a política do Federal Reserve (Fed, o banco central
americano) que não tem como meta apenas administrar a inflação, mas
cooperar com o crescimento econômico. Para ele, um PIB de apenas 1,6%
este ano é inadmissível; para nós, 3.5%, ou menos, também.
Mas fazer o quê? Ajuste fiscal para reduzir a pressão sobre a demanda
e juros mais atraentes para compensar. É a busca de um equilíbrio
instável que se inicia agora com o anúncio do aumento do superávit
primário do governo e a redução dos juros do BC. Tudo levando a um
crescimento menor, sim, nada mais de 5% ou 6% previstos no início do
ano, mas nada menos que 3%.
Foi assim que os agentes econômicos, mercado financeiro e empresas,
interpretaram as últimas ações do Banco Central e do governo. Uma
espécie de acordo tácito entre você gasta menos e eu ajudo mais em
busca de um equilíbrio ao qual se tenta chegar.
Mas e a inflação? Mas a equação não fecha, dizem economistas como
Affonso Celso Pastore. Esqueceram a inflação que vinha sendo combatida
pela alta das taxas de juros. A fórmula menos juros, menos gastos
deixa uma variável, a inflação que passa do teto de 6,5%. Tudo indica
que se decidiu tentar administrá-la por algum tempo apesar dos riscos.
Como a economia vinha do desacelerando, a inflação deveria recuar
também. Mas não é isso que está acontecendo. Há fatores internos como
oferta menor e demanda aquecida e externos, as commodities entre
outros, pressionando os preços internos. Basta ver o que acontece com
o álcool, a cana-de-açúcar e outros produtos agropecuários. É evidente
a contaminação interna pelos preços externos das matérias-primas.
Inflação resiste. O novo ( será?) desafio é a inflação. O IPCA mostra
ainda muita rigidez em torno da banda de tolerância de 6,5%, afirma
Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú . Motivos: aumento da renda
animada pelos reajustes de salários - e, agora, o novo salário mínimo
- e a robustez do mercado de trabalho, sustentando pressões de
demanda, não atendida pelo aumento da oferta. Para ele, "um cenário
que não vai se alterar rapidamente".
O que existe é um fato, juro menor, e uma promessa, política fiscal
menos expansionista. Affonso Celso Pastore não esconde o ceticismo
quanto às metas de inflação. Já eram. Toni Volponi, chefe de pesquisas
para mercados emergentes das Américas da Nomura Securities, vai mais
longe: foi para o espaço. O novo dilema é impedir que se cresça menos
sem pressionar a inflação - que, tudo indica, deixou de ser prioridade
maior, pelo menos por enquanto.
Goldfajn e Pastore admitem que vai ser difícil conter o consumo das
famílias, que mesmo com a desaceleração econômica, aumentou 5,7% no
semestre e 6,2% nos últimos 12 meses. Há um recuo, mas o aumento da
demanda permanece e será estimulado agora ainda mais com os reajustes
salariais bem acima da inflação, os mais de 2 milhões de empregos que
estão sendo criados e a formalização no mercado de trabalho. Um
desafio que o governo parece preferir enfrentar só mais adiante.
Agora, a linha de atuação segue o Fed que não só administra a
inflação, mas também fica atento à economia, estimulando-a quando
preciso.
É o que Fed, e até mesmo o banco central da China, vem fazendo até
agora e o Banco Central Europeu (BCE), não. Aumentou o juro mesmo com
risco de recessão e crescimento de 0,1%.