Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 01, 2011

BC cedeu MÍRIAM LEITÃO


O GLOBO - 01/09/11

Não faz sentido reduzir os juros agora. A inflação está em 7,1% em 12 meses. Nos últimos 45 dias, desde a última reunião, uma cesta de commodities agrícolas para o mercado interno subiu 8%. Alguns produtos estão subindo em plena safra. Depois de cinco altas seguidas, o normal seria parar de subir para ver o efeito das elevações e estudar o mutante cenário externo.

Houve pressões explícitas, e o Banco Central cedeu. Tentou convencer que a decisão foi tomada de forma técnica. Não convenceu. A deterioração do quadro externo justificaria manter os juros para esperar para ver. Até porque, mesmo reduzindo ritmo de crescimento do mundo, a inflação não está cedendo.

Um índice montado pela MB Agro, com a oscilação dos preços de soja, milho, trigo, açúcar, algodão, café, aves, carnes bovina e suína, feijão, arroz, mostra alta de 8% desde 20 de julho - data da última reunião - até ontem. Para os grãos (milho, soja e trigo) a seca nos Estados Unidos só fez piorar o quadro nas últimas semanas. Para açúcar e álcool, o mercado está complicado pela quebra de safra. O índice de commodities agrícolas CRB registra que as cotações estão paradas, mas no alto.

Isso mostra que apesar de redução do ritmo de crescimento mundial, e risco até de recessão, os preços continuam altos. Se forem separados os preços das commodities que têm impacto mais imediato nos preços, como carne, açúcar, café, trigo, houve alta. Já as que demoram mais a chegar aos preços ao consumidor, como algodão, caíram. Não há ainda uma tendência de queda da inflação. Ela cairá um pouco no acumulado de 12 meses neste fim de ano, mas menos do que se esperava.

O governo simulou um ajuste fiscal. Quem acompanha as contas públicas sabe que aumentar em R$ 10 bilhões o superávit primário, tendo recebido da Vale R$ 6 bilhões de um extra - sem falar de outras receitas atípicas - não é ajuste de fato. Subiram todos os gastos públicos, exceto o que poderia ter subido: investimentos. Em 2011, o governo está gastando mais que no abundante ano passado. Portanto, o ajustezinho não abriu caminho para a queda dos juros. Era encenação para salvar a face do Banco Central, que jogou fora oito meses de construção de reputação de autonomia no governo Dilma.

O Banco Central tinha de ser cauteloso e manter os juros. Ele subiu a taxa cinco vezes em cinco reuniões e, como sempre acontece, a política monetária demora um pouco a fazer efeito. Assim, sobe-se os juros mas o efeito desse aperto vem depois. A hora era de esperar o reflexo nos preços. Um BC que faz cinco elevações de taxa, no total de 1,75%, e depois repentinamente baixa em meio ponto passa a ideia de que está perdido. Ou sofrendo pressão. Ou ambos.

A dívida americana foi rebaixada, reduziram-se as previsões de crescimento mundial e continua mal parada a situação na Europa. Num cenário assim mutante, o Banco Central deveria parar de subir juros e aguardar a evolução.

O que ele não podia fazer era ceder às pressões escancaradas dos últimos dias dos ministros da área econômica e reduzir as taxas quando ainda há indefinição sobre o cenário brasileiro e a inflação está acima da meta. Ao fazer isso, o BC prova de que se rendeu às pressões e está disposto a aceitar um pouco mais de inflação. Na minha vida de jornalista de economia nunca vi a inflação se contentar "com um pouco mais" de inflação. Quem faz esse raciocínio começa a perder a batalha.

O governo está otimista na sua previsão para este ano. Pelo cálculo que fez para o aumento do salário mínimo de 2012 está imaginando que de 7,1% a inflação vai cair para 5,7% no fim do ano. Isso se conclui do cálculo que fez para o orçamento de 2012, em que terá de dar um reajuste do salário mínimo igual ao crescimento do PIB de 2010 e a inflação de 2011. Ele teve então de fazer uma previsão. Seria ótimo se a taxa caísse tanto assim no fim do ano, mas o mais provável é que o governo tenha subestimado o reajuste que terá de dar ao salário mínimo, o que aumentará a pressão sobre o orçamento do ano que vem.

Os juros estão muito altos, o ideal é baixar os juros. Mas reduzir juros com inflação acima da meta e diante de pressões explícitas sobre o Banco Central é tiro no pé. Com Álvaro Gribel

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