FOLHA DE SP - 02/08/11
Economia dos EUA, já anêmica, vai perder o estímulo do gasto público; efeitos vão chegar aqui
VAMOS SUPOR que a encrenca da dívida do governo federal americano se acalme nos próximos meses. Sim, uma calmaria de fato é ficção, mas vamos supor pelo menos que o pior não aconteça. Qual o efeito dessa paz dos cemitérios na economia mundial e na do Brasil?
Se nada de mais imprevistamente grave acontecer no resto do mundo, os fatores que provocaram a supervalorização do real vão continuar presentes, se é que não vão receber impulso adicional.
Ou seja, a anemia das economias dos EUA e da Europa será duradoura. A taxa de juros permanecerá baixa, assim como continuarão escassas as oportunidades de aplicação rentável do dinheiro abundante. O capital continuará sobrando no mundo rico (aliás, no mundo todo), sem uso por lá.
Para onde irá o dinheiro (pode-se perguntar também a mesma coisa para o dinheiro dos emergentes)? Para o "mundo emergente". Nós.
Na primeira metade de 2011, a economia dos EUA cresceu a um ritmo que, repetido no resto do ano, daria em alta de 0,9% do PIB. Em termos de PIB per capita (por pessoa), haveria estagnação.
O número ruim fica ainda pior quando se lembra que os dados do PIB americano de 2008, 2009, 2010 e do primeiro trimestre de 2011 foram revisados para baixo, para um buraco muito mais profundo.
Números divulgados ontem indicam que a produção industrial quase parou de crescer em julho. A anarquia nos EUA e a crise da dívida na Europa ajudaram a derrubar o crescimento nos dois continentes, certo.
Clima ruim, gasolina cara, catástrofe no Japão etc., tudo isso também fez o caldo entornar.
Mas a economia dos EUA rateava bem antes da influência desses fatores "transitórios", como mostram os dados revisados do PIB.
A contenção dos gastos do governo na Europa e nos EUA vai tirar ainda mais sangue das economias anêmicas. Diz-se que o pacote fiscal americano vai cortar pouco no ano fiscal de 2012 (que começa agora em outubro), de uns US$ 16 bilhões a US$ 30 bilhões, ninharia de fato, para a economia dos EUA. Mas:
1) a economia precisava de mais estímulo fiscal, não o fim da transfusão de sangue: as famílias estão endividadas demais para gastar, há desempregados demais, as empresas temem, pois, investir;
2) vários programas de estímulo da economia (gastos com emprego, por exemplo) vencem em 2012;
3) O corte federal de despesas vai afetar transferências federais para os Estados, já na pindaíba;
4) o corte maior está marcado para começar logo em 2013, o que não é animador de investimentos.
Tal cenário depende, claro, que um mundo de outras coisas "permaneçam constantes". Para início de conversa, a hipótese iria à breca em caso de desfecho operístico e trágico da crise da dívida europeia.
Pode ser também que o desaquecimento das economias europeia e americana seja tão grande e brusco que o comércio mundial fique deprimido, balance a economia chinesa e, assim, derrube o preço de commodities.
Exportamos commodities em massa, e o alto preço desses produtos ajuda a equilibrar as nossas contas externas e a valorizar a nossa moeda.
Mas o cenário mais provável parece ser o devagar quase parando nos EUA e na Europa.
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