Entrevista:O Estado inteligente
RICARDO NOBLAT - Nas asas de Eike
O GLOBO - 04/07/11
Dono de um patrimônio avaliado em 30 bilhões de dólares, apontado pela Revista Forbes como a 8a- pessoa mais rica do mundo, o empresário Eike Batista pode emprestar a quem quiser seu jato Legacy de 26 milhões de dólares. Mas nem todo mundo pode aceitar o empréstimo. Como homem público, o governador Sérgio Cabral, por exemplo, não poderia.
Sabia-se que em outubro de 2009, Cabral voou no jato de Eike para assistir em Copenhague ao anúncio da escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016. Soubese que ele voou no mesmo jato para passar recente fim de semana em Porto Seguro, que culminou com a queda de um helicóptero e a morte de sete pessoas.
Agora se ficará sabendo que pelo menos uma outra vez Cabral voou à custa de Eike. No mesmo Legacy. E que não foi um voo de ida e volta a algum lugar. Foi um voo cheio de idas e voltas. Um voo excepcional. Que mobilizou o jato de Eike durante uma semana. E que provocou uma canseira braba nos pilotos.
Dia 3 de dezembro do ano passado. Estava de malas prontas para voar em avião comercial com destino a Nassau, nas Bahamas, paradisíaco arquipélago do Caribe, uma parte da família do empresário Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta Construções e de contratos com o governo do Rio no valor de R$ 1 bilhão.
Jordana, mulher de Fernando, um filho de três anos de idade e a babá dele acabaram convidados a acompanhar Adriana Ancelmo, mulher de Cabral, seus dois filhos Thiago e Mateus, e duas outras babás que também viajariam a Nassau. No jato de Eike, o grupo decolou do aeroporto Santos Dumont por volta das 20h.
O voo de Cavendish correu sem incidentes. Com ele seguiram sua mãe, a filha mais velha, o secretário de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, e mais a sogra de Côrtes, a mulher, duas filhas e duas babás. O voo de Adriana Ancelmo e de Jordana pousou em Manaus para que os passageiros presentassem os documentos de saída do Brasil. E aí... Aí deu rolo. O filho de Jordana, do primeiro casamento dela, estava sem o documento assinado pelo pai autorizando- o a deixar o país. Agentes da Polícia Federal foram inflexíveis no cumprimento da norma. Não cederam nem diante de um pedido feito por Cabral, que telefonou para eles. Como o impasse foi resolvido? Simples.
Adriana Ancelmo, os dois filhos e suas babás retomaram o voo para Nassau. Jordana, o filho e a babá ficaram em Manaus à espera do documento que lhes permitiria continuar a viagem. O documento chegou dois dias depois. O jato de Eike, que esperava o desfecho do caso em Nassau, voltou a Manaus.
Dali, com os passageiros remanescentes, novamente voou para Nassau. Faltava alguém para completar a lista dos que haviam combinado passar uma semana de férias no luxuoso hotel Atlantis, de seis estrelas. Quem? Cabral! E lá se foi o jato de Eike buscá-lo no Rio, juntamente com três agentes de segurança.
E outra vez o jato decolou para Nassau. Os Cabral e Cavendish ocuparam duas espaçosas suítes, uma em frente da outra. A diária? Cerca de 800 dólares. Desfrutaram de dias de sol fraco e de algum frio ao entardecer. Depois de sete dias, a contar da chegada a Nassau pela primeira vez do jato de Eike, teve início a viagem de volta.
Os que haviam ido para Nassau em voo comercial desembarcaram no Rio em voo comercial. Os que voaram nas asas de Eike retornaram em suas asas. O quilômetro voado no Legacy custa R$ 25. Quase seis mil quilômetros separam o Rio de Nassau. Cabral economizou uns R$ 600 mil. Sem contar o trecho Nassau-Manaus- Nassau.
É difícil crer que Cabral tenha encomendado a seus assessores um código de conduta capaz de orientálo nas suas relações com empresários. Um código que deverá distinguir entre o público e o privado. Com efeito, seria preciso um código para vetar por imoral a alegre vilegiatura de Cabral nas Bahamas? Por suposto, não!
Cabral, o Pedro, descobriu o Brasil. Que agora descobre Cabral, o Sérgio.
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