Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 05, 2011

Por que o Cade acerta Onofre Carlos de Arruda Sampaio

O Estado de S. Paulo - 05/07/2011
 

 

O julgamento pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) da fusão entre as empresas Sadia e Perdigão, criando a BRF-Brasil Foods, após percuciente análise e o voto do relator, prolatado na sessão havida em 8 de junho de 2011, foi suspenso por pedido de vistas do conselheiro Ricardo Ruiz, devendo voltar à pauta da sessão do dia 13 de julho. Segundo noticiado pela imprensa, os representantes da BRF estariam fazendo uso desse tempo, entre o início do julgamento e o retorno do caso à pauta, para tentar superar os obstáculos apontados no voto do relator e, dessa forma, procurar encontrar solução que permita tornar viável a integração da Sadia e da Perdigão.

Se isso, de fato, estiver acontecendo, não significa nenhum demérito ao voto do relator. Ao contrário, deixa claro que a profundidade da análise por ele feita e reconhecida pode ter trazido a lume aspectos do caso antes não vislumbrados com tamanha clareza e, com isso, ter propiciado o surgimento de novas hipóteses de solução. Com essa atitude os conselheiros do Cade estarão dando mais um testemunho da maturidade institucional do órgão e da sua capacidade de prestar bons serviços à sociedade brasileira.

O objetivo maior da Lei de Defesa da Concorrência não é aplicar multas nem impedir movimentos econômicos que os agentes privados considerem justificados segundo os seus objetivos de dar sustentação aos seus negócios. A finalidade precípua da Lei de Defesa da Concorrência é manter a competição nos seus devidos termos, prevenindo e corrigindo desvios que possam comprometer esse objetivo. Para isso estão os órgãos responsáveis dotados de instrumentos jurídicos que lhes permitem assim agir.

No caso dos atos de concentração econômica, sobretudo nos mais complexos, as dificuldades enfrentadas pelos interessados e pelas autoridades podem ser de grande monta e exigir enorme esforço de uns e de outros para a correta compreensão das questões envolvidas, dos impactos resultantes e das soluções possíveis.

No sistema da União Europeia, que dispõe de recursos materiais e humanos incomensuravelmente superiores àqueles que aqui se encontram à disposição das autoridades, as partes que se propõem a apresentar um ato de concentração costumam dar início às tratativas perante as autoridades antes mesmo da apresentação formal do caso, tendo a oportunidade até mesmo de introduzir ajustes no negócio para atender a preocupações de antemão levantadas. Uma vez apresentado formalmente o ato de concentração, as partes gozam do privilégio legal de serem antecipadamente informadas, por escrito, de eventuais restrições e obstáculos (statement of objections) que venham a ser apontados pelas autoridades, de modo a estarem aptas a tomar uma posição, podendo desistir da operação, oferecer alternativas ou enfrentar a questão diante da comissão, que irá julgá-la na esfera administrativa, ou ainda do Poder Judiciário.

Os pressupostos que informam esse procedimento são o princípio do contraditório e da ampla defesa.

O projeto de lei de reforma do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que aguarda da Câmara dos Deputados o exame das emendas feitas pelo Senado, prevê que, ao impugnar um ato de concentração, a Superintendência Geral deverá demonstrar de forma circunstanciada o seu potencial lesivo e as razões pelas quais ele não deve ser aprovado integralmente ou deve ser rejeitado. A seguir, as partes terão prazo de 30 dias para se manifestar sobre a impugnação feita pela Superintendência Geral e, caso o conselheiro relator venha a determinar instrução complementar, deverá declarar os pontos controversos, com o que as partes ficarão habilitadas a enfrentar as questões a eles pertinentes no tribunal, que poderá aprovar a operação integralmente, rejeitá-la ou aprová-la parcialmente, determinando qualquer ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

Trata-se, evidentemente, de um progresso, na medida em que a vigente Lei de Defesa da Concorrência não faz expressa referência à questão da definição dos pontos controversos de modo a permitir o seu direto e imediato enfrentamento.

Nessas condições, não deve parecer estranho que os postulantes à aprovação de uma dada e a complexa operação possam, depois do voto do relator, melhor compreender as objeções e suas razões e, daí, imaginar novos e melhores remédios do que estavam aptos a fazer antes de conhecerem o seu inteiro teor.

Imaginar que durante o prazo de um pedido de vistas os conselheiros do Cade estivessem impedidos de levar em consideração quaisquer alternativas válidas, capazes de tornar viável uma operação sob análise no órgão, seria desnaturar por completo a sua missão precípua de trabalhar para que as condições de concorrência sejam estabelecidas e restabelecidas com menores imposições e custos tanto para as partes como para a sociedade.

Pretender que o Cade possa apenas e tão somente aceitar ou recusar uma única proposta feita pelas partes, deixando de considerar qualquer alternativa diferente de solução, tenha ela a origem que tiver, que venha a surgir antes da decisão do caso pelo colegiado, corresponderia a bloquear, por mero e injustificado formalismo, a possibilidade de se encontrarem melhores soluções e só serviria para obrigar as partes a recorrer ao Poder Judiciário, no qual a possibilidade de soluções por meio de acordo é cada vez mais louvada e incentivada, como meio eficaz de aplicar as leis, fazer valer o Direito e chegar a resultados justos e duradouros.

Por essas razões, o Cade está certo em não fechar as portas a propostas de solução que lhe sejam apresentadas, até que o caso esteja decidido.

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