Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 14, 2011

MÍRIAM LEITÃO - Fusão e confusão

O GLOBO - 14/07/11

A fusão entre Sadia e Perdigão teve financiamento do BNDES mas ontem ela só foi aprovada com a condição de que a marca Perdigão fique fora do mercado e a empresa venda ativos.

O conselheiro Carlos Ragazzo, que foi relator do caso no Cade, foi contra a fusão e reafirmou que não acredita na solução encontrada. O caso BR Foods exibe uma contradição na política do BNDES.

A Sadia foi acudida num momento em que afundava em sua própria especulação no mercado futuro de câmbio, em 2008. Primeiro, com empréstimo do Banco do Brasil e, depois, com a fusão com a Perdigão.

A nova empresa, mesmo antes de ser julgada pelo Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade), recebeu empréstimos do BNDES e virou sócia do banco.

Ontem, dois anos depois, fica-se sabendo que o órgão de defesa da concorrência acha que as duas marcas não podem estar no mercado ao mesmo tempo porque isso é concentração indevida.

O conselheiro Ragazzo, que mais estudou o assunto - voto vencido -, considera que a operação nem deveria ter sido realizada. Depois que Ragazzo apresentou seu voto proibindo a fusão, a BR Foods, empresa que junta Sadia e Perdigão, contratou a LCA - consultoria fundada por Luciano Coutinho, da qual se afastou para assumir o BNDES. A LCA participou ativamente da negociação da solução que foi aprovada ontem.

O resultado final do Cade acabou sendo bem melhor para a BR Foods porque a fusão foi mantida. Mas a proposta negociada pelo conselheiro do Cade Ricardo Ruiz obriga a empresa a vender uma série de ativos.

"Nossa preocupação é criar um concorrente em mercados problemáticos, onde a empresa tem um poder abusivo de mercado. Tentamos solucionar essa concentração exacerbada em áreas como pizzas prontas, lasanhas, presuntos, salame, salsicha, margarinas, vários outros, determinando que a empresa terá que vender ativos para que possa haver um concorrente", disse Ricardo Ruiz.

Em outro caso, a fracassada operação da fusão Pão de Açúcar-Carrefour, o governo e vários outros aprenderam preciosas lições: argumentos toscos não convenceram; o BNDES não deveria ter entrado na proposta; os ministros não deveriam ter saído em defesa da fusão antes de terem estudado o tema.

Se o episódio do Pão de Açúcar servir para provocar um debate aprofundado sobre o papel do BNDES, terá sido um grande evento.

Mudanças vão acontecer no varejo brasileiro. Uma das hipóteses é o Wal-Mart comprar o Carrefour no Brasil. Nesse caso, haveria concentração, mas não tão grande quanto a que seria criada pela fusão com o Pão de Açúcar, porque a rede americana tem apenas 11% do mercado.

O problema é que a operação fracassada não era a internacionalização do Pão de Açúcar, como a apresentou o BNDES em sua primeira nota, nem a defesa do capital nacional, como disseram alguns dos seus defensores, mas sim a diluição do grupo brasileiro dentro da rede francesa.

Não sendo feita a fusão, o Casino pode vir a assumir a rede brasileira. Mas isso ocorrerá porque a família Diniz fez um acordo com o Casino para que o grupo francês assuma o controle em 2012.

Portanto, é falso que a operação impediria a desnacionalização de um grupo brasileiro. Ela já estava contratada por eles mesmos, os donos brasileiros.

O que o governo tem a fazer em negócios como esses é atuar através do sistema de defesa da concorrência, para impedir concentração excessiva que deixe o consumidor à mercê de um fornecedor excessivamente grande. O negócio de supermercados precisa de escala para ter eficiência e isso pode se transformar em preços menores.

Mas quando a concentração é grande demais, o ganho de escala vira poder de mercado excessivo e uma arma contra o consumidor. É nesta sintonia fina, de se evitar a concentração excessiva que distorce o mercado, que o Cade tem de trabalhar. De preferência em processos mais ágeis. Quando se diz isso, o governo sempre culpa o Congresso por não ter aprovado o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que reduziria o tempo de tramitação dos processos.

De qualquer maneira, só no Cade o assunto ficou um ano, a maior parte do tempo porque a empresa estava negociando fórmulas de mitigação da concentração excessiva, que de fato há em inúmeros mercados de carnes, embutidos e margarinas.

O Termo de Compromisso de Desempenho obrigará a BR Foods a ficar menor e a suspender uma das marcas, mas ela continuará a maior empresa absoluta no mercado brasileiro. Ficará também proibida de lançar uma nova marca.

Isso para não repetir o que aconteceu com a Colgate, que criou a Sorriso para substituir a Kolynos, que o Cade tirou do mercado.

Tudo isso mostra uma contradição insanável. O governo estimula, apoia, incentiva, financia e entra de sócio em uma fusão que dois anos depois o Cade diz que cria poder abusivo de mercado para a empresa.

Certamente, se a opinião pública não tivesse se manifestado, pelos mais diferentes meios, inclusive pela mídia social, a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour seria feita com dinheiro público.

E daqui a dois anos o Cade descobriria o óbvio: que em São Paulo, por exemplo, os dois supermercados juntos teriam 69% do mercado.

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