O Globo - 05/07/2011 |
Quando eu era menino, a expressão popular "vá pra china" era insulto grave. Hoje, só se vai pagando muito. A história recente desse país nos leva a crer na capacidade do ser humano de se rebelar contra a realidade produzida por outros e criar sua própria estrada. Depois de séculos de exploração estrangeira, de anos sob um comunismo destruidor de valores e individualidades, a China vive período de importante renascimento econômico. O abandono de dogmas ultrapassados e produzidos por uma camarilha que cuidava apenas de seus favores e privilégios, vem demonstrando que a paciência chinesa tem características surpreendentes. O crescimento econômico, baseado em identificação de potencialidades, na definição de procedimentos, na construção de parcerias e na capacitação pessoal e profissional, permitiu uma alocação de riquezas sem precedência. A coragem da escolha dos Estados Unidos como sócio para o desenvolvimento, ultrapassando uma histórica diferença, já era o sinal de que a aparente leniência da China daria lugar a um pragmatismo com resultados planejados e controlados. O depósito dos ganhos, desde os primeiros resultados positivos, em títulos da dívida americana, era uma espécie de garantia de que o casamento sino-americano era para sempre e leal. Entretanto, a convivência democrática, das liberdades civis, políticas e individuais, deveria ser uma condição básica para integrar a comunidade internacional. A China conseguiu que vários países, inclusive o nosso, definissem-na como economia de mercado para o seu reconhecimento na OMC. Fizeram bem em não chamá-la de mercado livre. Há perguntas esperando respostas, por exemplo: como vão enfrentar o grito de Hong Kong para a retomada da plenitude do "ser livre", desfrutada nos cem anos sob a bandeira britânica e ameaçada com a reanexação? Como criar universidades modernas, sem conceder liberdade de pensamento? Como competir com as conquistas trabalhistas dos fraternos operários de Taiwan e do resto do mundo, para onde exportam seus produtos? E no dia em que professores e trabalhadores resolverem fazer uma greve? Vai ter cadeia para todos? E a imprensa livre? E a decisão dos pais de terem o número de filhos que bem entenderem, sem o risco de enquadramento na "lei" do filho único? Como inibir tanta gente de ler o que prefere ou navegar na internet? Só a democracia - com todos seus defeitos - condiciona um povo à plenitude da vida, à aceitação dos contrários e respeito ao próximo. Disputar o mercado mundial implica, necessariamente, ter condições parelhas de salários, benefícios, horas de trabalho, dignidade e outras vitórias já empalmadas pelos trabalhadores do mundo livre. A Índia, com população tão grande como a China, tem provado que o argumento "muita gente" não justifica a falta de liberdade, nem impede o crescimento econômico. O simples acumular de dólares, a construção de megaobras, a industrialização à custa de generosos subsídios poderão levar a China, certamente, a um estado de riqueza, mas, jamais, sem qualquer dúvida, a uma nação justa, livre e digna de seus cidadãos. A dependência atual da economia brasileira em relação à China - exportando produtos primários e importando industrializados, de carros a computadores - precisa de reflexão mais profunda e avaliação temporal responsável. Em que condições produzimos? Quais direitos desfrutam nossos trabalhadores? A que custo mantemos nossas liberdades? Até quando vale a pena lidar com parâmetros tão diversos numa economia globalizada e exigente? O Brasil precisa queimar etapas, investir em desenvolvimento de pesquisas, qualificar suas escolas e produzir com altos níveis de agregação tecnológica para que seus trunfos de liberdades e direitos humanos possam ser um diferencial que o leve a um futuro grandioso. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, julho 05, 2011
A dependência da China Antenor de Barros Leal
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