Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 04, 2011

Comprando com o dinheiro público Carlos Alberto Sardenberg

O Estado de S. Paulo - 04/07/2011
 

 

Em princípio, não há nada de errado na isenção de impostos para estimular a construção do Itaquerão do Corinthians e da Copa do Mundo. O argumento é o seguinte: ali, onde será erguido o estádio, o governo não arrecada nada. E, sem a obra, continuará sem arrecadar. Portanto, não se trata de "dar" dinheiro ao Corinthians. É diferente de fazer um financiamento ou um aporte.

Por exemplo: quando o BNDES entra com R$ 4 bilhões para apoiar o negócio de Abilio Diniz na fusão com o Carrefour, o governo está colocando ali um dinheiro que poderia aplicar em muitos outros setores. Ou seja, trata-se de uma escolha: dinheiro público para apoiar um negócio privado.

Já na isenção para o estádio, não há doação. O governo deixa de arrecadar, mas sem a isenção o estádio não sai - e a Prefeitura continua sem arrecadar.

Ao contrário, se o estádio for construído, isso pode desenvolver toda a região e, aí, sim, gerar negócios e... outros impostos.

Pode, pois, ser um bom negócio para todos, mas só faz sentido se o resultado - o estádio e seu entorno - for efetivamente um ganho para a cidade e seus moradores.

Esse é o ponto que precisaria ter sido discutido com mais atenção, além da comparação com outros empreendimentos. O estádio é o melhor caminho para desenvolver aquela região? A cidade precisa?

Não ocorre desse jeito. Estão colocando assim: se não for no Itaquerão, não tem abertura da Copa em São Paulo; se não tiver a isenção da Prefeitura, não tem Itaquerão; logo...

Quem diz que o estádio é essencial e que São Paulo precisa da abertura da Copa? São os dirigentes do Corinthians, que viram aí uma boa oportunidade de financiar seu estádio, e - de novo - os políticos, de olho nos votos.

Privado ou público? Tem um terrenão, de 24 mil metros quadrados, dando sopa numa das áreas mais valorizadas de São Paulo, entre as Ruas Augusta, Caio Prado e Marquês de Paranaguá. Há, ali, um belo bosque, cobiçado pela população do bairro. Mas a área tem dono e a propriedade é pacífica.

Esse proprietário aprovou no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) um projeto para a construção de um condomínio com duas torres residenciais e uma comercial, mas isso dentro de um parque a ser aberto ao público. Os empreendedores garantem que o projeto preservará o bosque com suas árvores nativas, aliás, tombado pelo mesmo Conpresp.

Parece bom, não é mesmo? A região, que tinha uma parte já valorizada, a de Cerqueira César, teve outra revitalizada, o chamado Baixo Augusta. A isso se acrescentaria o novo empreendimento, cuja construção traria mais desenvolvimento para o bairro, com o bônus de um parque e um boulevard de graça.

O poder público, especialmente a Prefeitura, não gastaria nada nisso. Ao contrário, recolheria os pesados impostos que incidem no setor imobiliário.

Mas não. Moradores do bairro protestaram, o prefeito Gilberto Kassab assinou decreto definindo a área como parque, que não funcionou, e agora a Câmara de Vereadores está votando um projeto de lei que cria ali o Parque Augusta.

Por esse caminho, a Prefeitura terá de comprar o terreno, pelas leis da desapropriação, pagando de cara algo como R$ 33 milhões e, obviamente, com um longo processo na Justiça, deixando um passivo para futuros contribuintes. Seguem-se: licitações para o projeto e a construção do parque, colocação da obra no orçamento, definição de verba e, mais importante, efetiva execução.

Não sai por menos de R$ 100 milhões, calculando por baixo, e vai levar muitos anos. Incluindo a receita perdida com a não construção da obra privada, vai a muito mais.

Ora, por que a Prefeitura deve torrar todo esse dinheiro numa região de classes média e alta para fazer um parque de classe? Dirão: os empreendedores privados vão destruir o parque. Mas isso é fácil de evitar, basta estabelecer regras, que, aliás, já existem. E será muito mais fácil para a Prefeitura fiscalizar isso do que construir a tempo a coisa toda.

Mas por que estamos falando disso? Porque se trata de um caso exemplar de socialização de custos e privatização dos benefícios. Os apartamentos ali já estão bastante valorizados. A área é densamente ocupada, praticamente não há mais onde construir, exceto o terrenão. Com o parque da Prefeitura, os apartamentos atuais ficarão ainda mais valiosos.

O parque do empreendimento privado também os valoriza. Porém menos. E com a desvantagem, para os atuais moradores e proprietários, de acrescentar oferta nova na região. Aumentando a oferta com imóveis novos, reduz-se o valor relativo dos atuais.

Nessas circunstâncias, por que o prefeito Kassab e os vereadores estão tão empenhados no Parque Augusta? Porque dá votos. O benefício, ali, é direto e focado. Os beneficiados constituem grupo definido. Já os prejudicados não estão identificados: trata-se de massa anônima de cidadãos e contribuintes de outras áreas da cidade nas quais seria empregado o dinheiro poupado no Parque Augusta.

Como o morador da periferia da zona sul poderia imaginar que falta, ali, uma escola porque o dinheiro foi para um parque lá na área rica da cidade e que poderia ter sido feito por empreendimento privado?

Bem resumindo: os moradores, no seu direito, reclamam uma obra pública que os beneficia diretamente. O prefeito e os políticos estão comprando votos com o dinheiro do orçamento. Simples assim.

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