O GLOBO - 01/07/11
No dia 6 de junho de 1976, o grupo Pão de Açúcar comprou a Eletroradiobraz. Foi financiado com dinheiro público. O Ministério da Fazenda deu uma ordem ao Banco Central, que emitiu dinheiro do "suprimento especial". Tudo foi concretizado dentro do BNDE. Não havia o S ainda. A diferença é que agora muita gente fica indignada. Naquela época era normal.
Foi da forma descuidada dos anos 1970 que o Brasil produziu o descontrole de gasto que alimentou a inflação que nos consumiria nas décadas de 1980 e 1990. Foi com instrumentos como o "suprimento especial", ou outros canais pelos quais se gastava sem controle no Brasil, antes que os orçamentos fossem unificados e a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada.
Em 1976, achava-se normal o governo financiar uma troca de donos de empresa de varejo. A Eletroradiobraz, que havia nascido nos anos 40, era a rival do grupo Pão de Açúcar na implantação do conceito de supermercados. A empresa dos Diniz usava a expressão Jumbo para as suas grandes lojas. A Eletro passou a usar o nome de Baleia para as suas. Naquele ano a baleia encalhou e a concorrente comprou, mas financiada pelo governo. A capa da revista Exame daquela época tem a foto do empresário vencedor naquela operação. Adivinhou. Era já Abilio Diniz.
O Brasil mudou muito desde então, por mais que às vezes pareça em pleno regresso aos velhos ideais que nos levaram a um País estatizado e com inflação descontrolada. Hoje o Banco Central não pode mais emitir através de uma ordem de "suprimento especial". Mas o Tesouro acaba de ser autorizado a se endividar em mais R$ 55 bilhões para pôr no BNDES. O Banco já recebeu outros R$ 230 bilhões.
No ano de 1976 o País estava em pleno delírio de crescimento financiado e controlado pelo Estado. Havia muitos balcões pelos quais o dinheiro público corria para as mãos de empresários que estavam sendo escolhidos para serem os campeões nos diversos setores. Agora, de novo, o BNDES decidiu que cabe a ele escolher os campeões. Só no setor de frigoríficos já colocou R$ 16 bilhões em empréstimos ou participações acionárias. Com R$ 10 bilhões financiou a compra da Brasil Telecom pela Telemar.
Gastou bilhões salvando a Aracruz e a Votorantim numa operação em que as duas se fundiram para se recuperarem da especulação que fizeram no mercado de derivativos cambiais. Outros bilhões foram para salvar a Sadia, que foi comprada pela Perdigão. Isso é para citar algumas operações.
O BNDES tem um braço que é para atuar no mercado de capitais e é natural que compre e venda ações. O problema é quando ele faz isso apenas porque algum brilhante estrategista considerou que, se algumas empresas ficarem bem grandes, o Brasil será forte e ganhará a competição internacional. Pior ainda é quando ele faz isso para salvar uma empresa da sua própria incompetência em operação-hospital. Para a ministra Gleisi Hoffmann, como o BNDESpar compra e vende ações o dinheiro não é público.
O banco se financia com dívida pública e pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Tem também o retorno de empréstimos e de operações de mercado de capitais, mas a origem da sua capitalização é de fundos públicos e dívida pública, portanto, evidentemente, é dinheiro seu, nosso e da ministra.
Houve um tempo no Brasil em que havia a ideia de que dinheiro público era sem dono. Hoje já se sabe que ele é resultado de impostos ou dívida feita em nosso nome. É mais difícil gastar de forma ilimitada, porque há leis, controles, prestações de contas, metas de inflação, Lei de Responsabilidade Fiscal. Mesmo assim o governo gasta demais. Ontem o Banco Central informou que só em maio o déficit fiscal do governo foi de R$ 14,7 bilhões. Mesmo num excelente momento da economia o governo fecha no vermelho mês após mês. No ano o buraco já foi de R$ 35 bilhões.
Há quem inverta a equação e considere que se o governo baixar os juros o déficit vai sumir. O Tesouro paga uma enormidade de juros, de fato. Até maio foram redondos R$ 100 bilhões. O governo paga à taxa de 12,25% e o BNDES cobra dos seus devedores 6%. Essa é uma parte do problema: o crédito é direcionado a clientes especiais. Com ele o governo gasta porque paga aos seus credores mais do que recebe dos devedores. Além disso essa fatia do crédito não responde à política monetária; isso obriga o BC a subir ainda mais os juros quando quer que sua ação tenha efeito monetário.
O melhor caminho é reduzir o gasto público, ter a meta de chegar ao déficit zero, para que os juros possam cair. Dessa forma o custo do crédito subsidiado diminuirá. Além disso é preciso ser seletivo com dinheiro subsidiado.
O Brasil tem visitado o passado em inúmeras operações. Quer ser sócio de uma empresa de supermercado numa operação que favorecerá Abilio Diniz & outros, da mesma forma como em 1976 ajudou-o na compra da Eletroradiobraz. Naquela época, o argumento era que a empresa, se não fosse comprada, quebraria. Agora, a ameaça seria que o Casino compraria o Pão de Açúcar, então melhor que ele vire parte do Carrefour.
Se em vários pontos tudo parece como dantes, qual é a diferença? O Brasil mudou. Hoje o País reage ao que antes achava normal; ainda que o governo repita tanto os erros velhos. Hoje o País passou pelo tormento inflacionário e sabe o que gasto público tem a ver com inflação. Neste dia 1º de julho de 2011, décimo sétimo aniversário do Plano Real, é um bom momento de lembrar que não estamos em 1976. Naquele ano, a inflação foi de 42%. Nos anos seguintes, continuou a escalada.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2011
(2527)
-
▼
julho
(245)
- DILMA: OS ENORMES RISCOS DA ESTRATÉGIA DE IMAGEM! ...
- O poder pelo poder GAUDÊNCIO TORQUATO
- A nova era na roda do chope JOÃO UBALDO RIBEIRO
- Teatro do absurdo MÍRIAM LEITÃO
- Foco errado CELSO MING
- As marcas do atraso JANIO DE FREITAS
- Uns craseiam, outros ganham fama FERREIRA GULLAR
- Chapa quente DORA KRAMER
- Corrupção - cortar o mal pela raiz SUELY CALDAS
- Liberdade, oh, liberdade DANUZA LEÃO
- Como Dilma está dirigindo? VINICIUS TORRES FREIRE
- Prévias? Não no meu partido MARCO ANTONIO VILLA
- Dilma se mostra Merval Pereira
- A reforma tributaria possível. Ives Gandra da Sil...
- Um plano para o calote Celso Ming
- O ''PAC'' que funciona EDITORIAL ESTADÃO
- Mudança de enfoque - Merval Pereira
- Dilma e as sofríveis escolhas ALOISIO DE TOLEDO CÉSAR
- Refrescar a indústria Míriam Leitão
- Míriam Leitão O dragão na porta
- Prévias da discórdia Merval Pereira
- O governo e a batalha do câmbio Luiz Carlos Mendon...
- Coragem e generosidade Nelson Motta
- O discreto charme da incompetência Josef Barat
- O que pensa a classe média? João Mellão Neto
- Mensagem ambígua Celso Ming
- Um boné na soleira Dora Kramer
- O sucesso de um modelo ALON FEUERWER KE
- Merval Pereira Bom sinal
- IVES GANDRA DA SILVA MARTINS - A velhice dos tempo...
- VINÍCIUS TORRES FREIRE - Dólar, bomba e tiro n"água
- A Copa não vale tudo isso EDITORIAL O ESTADÃO
- ALBERTO TAMER - Mais investimentos. Onde?
- CELSO MING - O dólar na mira, outra vez
- DORA KRAMER - Jogo das carapuças
- Dólar e juros MÍRIAM LEITÃO
- Ética flexível Merval Pereira
- Roubar, não pode mais EDITORIAL O Estado de S.Paulo
- Da crise financeira à fiscal e política Sergio Amaral
- Ficção científica nos EUA Vinicius Torres Freire
- Dólar, o que fazer? Míriam Leitão
- Lá se vão os anéis Dora Kramer
- Mundo que vai, mundo que volta Roberto de Pompeu ...
- Desembarque dos capitais Celso Ming
- E se não for o que parece? José Paulo Kupfer
- Economia Criativa em números Lidia Goldenstein
- A inundação continua Rolf Kuntz
- Abaixo a democracia! Reinaldo Azevedo
- Veja Edição 2227 • 27 de julho de 2011
- Faxina seletiva MERVAL PEREIRA
- Eles não falam ararês MÍRIAM LEITÃO
- O impasse continua - Celso Ming
- Insensata opção Dora Kramer
- O Brasil e a América Latina Rubens Barbosa
- Justiça, corrupção e impunidade Marco Antonio Villa
- Agronegócio familiar Xico Graziano
- Ruy Fabiano - A criminalização do Poder
- Imprensa, crime e castigo - Carlos Alberto Di Franco
- Quando o absurdo se torna realidade Antonio Pentea...
- Vale-tudo ideológico EDITORIAL O Globo
- O bagrinho Igor Gielow
- Com o dinheiro do povo Carlos Alberto Sardenberg
- Questão de fé RICARDO NOBLAT
- Celso Ming O que muda no emprego
- Alberto Tamer E aquela crise não veio
- João Ubaldo Ribeiro A corrupção democrática
- Danuza Leão Alguma coisa está errada
- Janio de Freitas Escândalos exemplares
- Merval Pereira Dilma e seus desafios
- Dora Kramer Vícios na origem
- Ferreira GullarTemos ou não temos presidente?
- Roberto Romano Segredo e bandalheira
- Agência Nacional da Propina-Revista Época
- Presidencialismo de transação:: Marco Antonio Villa
- Dilma e sua armadilha Merval Pereira
- Guerra fiscal sem controle Ricardo Brand
- A Pequena Depressão Paul Krugman
- Longo caminho Míriam Leitão
- De quintal a reserva legal KÁTIA ABREU
- O que vem agora? Celso Ming
- Marco Aurélio Nogueira O turismo globalizado
- Os perigos de 2012 Editorial O Estado de S. Paulo
- Guerra de dossiês Eliane Cantanhêde
- Sinais de alerta Merval Pereira
- União reforçada Miriam Leitão
- Pagar, doar, contribuir NELSON MOTTA
- Roncos da reação DORA KRAMER
- Festa cara para o contribuinte EDITORIAL O Estado ...
- Em torno da indignação FERNANDO GABEIRA
- Brasil esnobou os EUA. Errou - Alberto Tamer
- O baixo risco de ser corrupto no Brasil Leonardo A...
- Triste papel Merval Pereira
- Financiamento da energia elétrica - Adriano Pires ...
- O partido do euro - Demétrio Magnoli
- Trem-bala de grosso calibre - Roberto Macedo
- A cruz e a espada - Dora Kramer
- O grande arranjo - Celso Ming
- À luz do dia ELIANE CANTANHÊDE
- Entrevista: Maílson da Nóbrega
- Arminio Fraga "Europa entre o despreparo e a perpl...
-
▼
julho
(245)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA