Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

VINICIUS TORRES FREIRE Pacote sonrisal


FOLHA DE SE SÃO PAULO - 10/02/11


Apesar de parecer maciça, contenção do gasto federal apenas reduz mal-estar do excesso de despesa de 2010

Quanto valem R$ 50 bilhões? Na sua primeira decisão econômica relevante, porém ainda mal explicada, o governo Dilma Rousseff prometeu cortar esses R$ 50 bilhões do Orçamento aprovado pelo Congresso. É pouco? Suficiente? Se bastantes, bastariam para qual objetivo de política econômica? Talvez quase tão relevante, serão cortados R$ 50 bilhões de quê? A receita estimada no Orçamento virá a existir?
Num estudo divulgado nesta semana e comentado nestas colunas, o economista do Santander e colunista desta Folha Alexandre Schwartsman ressaltava que o corte de gastos que o governo viria a anunciar incidiria sobre a despesa prevista no Orçamento. Dado que o aumento da despesa de 2010 para 2011 seria de uns R$ 110 bilhões, o gasto ainda aumentaria R$ 60 bilhões, considerado o corte de R$ 50 bilhões nesse aumento da despesa.
Ainda assim, trata-se de uma redução violenta de gastos, caso seja de fato implementada.
Ou melhor, trata-se de uma redução violenta de gastos se a gente dá de barato que o governo viria a ter esse dinheiro para gastar.
Num outro estudo sobre os problemas fiscais deste ano, o economista Maurício Oreng, do Itaú, estimou que o Congresso superestimou a receita federal em R$ 49,2 bilhões. Segundo o economista, essa previsão de receita está inflada porque: 1) a receita de impostos tende agora a não subir muito além do crescimento do PIB; 2) a economia deve crescer menos que o previsto pelo Congresso (4,3%, não 5,5%); 3) deve cair a receita não tributária.
Se estiver certa a estimativa do pessoal do Itaú para a arrecadação federal, o governo apenas acabou de cortar o que não iria arrecadar, de qualquer maneira. Em outros termos, caso gastasse o previsto no Orçamento, o governo estouraria largamente a meta de superavit primário (poupança) de 3% do PIB.
Ainda assim, segundo as estimativas do Itaú, mesmo com um corte de R$ 50 bilhões no aumento da despesa, o governo não deve atingir a meta de superavit primário. Com esse talho no gasto, o superavit chegaria apenas a uns 2,1% do PIB. Um superavit primário menor impede a redução mais rápida da dívida pública. Dívida maior implica gasto maior com juros e, provavelmente, taxas de juros também mais altas.
Note-se que esse corte de R$ 50 bilhões no aumento da despesa é apenas uma promessa otimista. O Congresso ameaça aumentar o salário mínimo além dos R$ 545 ora propostos pelo governo. Ameaça revisar a tabela do Imposto de Renda (baixar impostos). Ameaça reajustar salários de várias categorias. Etc.
Enfim, a promessa de corte de R$ 50 bilhões é então desprezível? Não. Mas se trata apenas de uma medida, digamos, "macroprudencial", para ironizar um clichê financeiro das últimas semanas.
Caso o governo se dispusesse a gastar esse dinheiro que talvez nem exista, haveria aumento de consumo já excessivo na economia, haveria mais inflação, as taxas de juros pulariam o muro da indecência onde já estão plantadas etc. Ou seja, apesar do esforço fiscal aparentemente brutal, o governo está fazendo o mínimo necessário para a situação macroeconômica não azedar. Está apenas tomando um digestivo para os excessos, para a glutoneria fiscal de 2010. Em suma, baixou um pacote sonrisal.

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