O GLOBO - 15/02/11
Na galeria de retratos de presidentes no Palácio do Planalto, a foto de Dilma Rousseff é a única colorida, contrastando com as demais, todas de homens em preto e branco. Desde ontem, há também no Planalto um retrato a óleo da presidente, presenteado por Romero Britto, pintor brasileiro que vive nos Estados Unidos, mais especificamente em Miami, que se tornou de uns anos para cá, com seu colorido infantil e estereotipadamente tropical, objeto de desejo de novos-ricos em geral.
A presidente, que se quer "presidenta" para marcar sua singularidade na política brasileira, vai ocupando assim o que o marqueteiro João Santana chamou de "espaço imaginário de uma rainha".
Segundo ele, em entrevista à "Folha de S. Paulo", haveria "na mitologia política e sentimental brasileira uma imensa cadeira vazia" que chama metaforicamente "de cadeira da rainha", e que "poderá ser ocupada por Dilma".
Santana acha que nem mesmo a Princesa Isabel preencheu esse lugar inteiramente.
Num momento em que as mulheres italianas marcham contra o comportamento machista do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, aqui na terra tentam erigir uma imagem endeusada da mulher-presidente.
Mas ainda temos dificuldades com esse poder feminino. Nessa mesma entrevista, João Santana revela que a decisão de fazer a operação plástica foi de Dilma.
E explica: "Como toda mulher, quando se trata de estética, ela gosta de ela mesma tomar iniciativa. Ou pelo menos de pensar que foi dela a decisão."
O sentido é o mesmo da declaração do fotógrafo Antonio Guerreiro na Revista de domingo do GLOBO. O preferido das celebridades dos anos 70 e 80 do século passado, Guerreiro é considerado um especialista em mulheres e contou que uma vez foi procurado pela deputada de esquerda Heloneida Studart para fazer uma foto, e a única exigência era que ficasse "linda".
Comenta Guerreiro: "Toda mulher quer ficar bem na foto".
Além dessa construção imagética, há também a construção política, que quer distanciar o governo Dilma dos problemas trazidos pelos últimos anos do governo Lula.
Como se ela não tivesse nada a ver com o que aconteceu nos anos anteriores, que justificou sua eleição, inclusive os gastos públicos exacerbados dos últimos dois anos.
Tratados como anticíclicos, a maioria desses gastos aconteceram antes de a crise de 2008 estourar, e só foram justificados a posteriori.
Toda a campanha de marketing eleitoral foi baseada justamente na tentativa, que deu certo, de transformar o Gabinete Civil quase em um gabinete presidencial paralelo, para transferir para Dilma os sucessos do governo Lula.
Mas só os sucessos, não os problemas, que hoje afloram, como a inflação quase saindo do controle, o desequilíbrio das contas públicas, o inchaço da máquina federal, o aumento dos juros.
O próprio Santana admite que a situação mais difícil aconteceu quando estourou o caso de tráfico de influência envolvendo a ministra Erenice Guerra, nomeada para o Gabinete Civil por influência de Dilma.
Toda a fantasia que se criara para transformar Dilma em copresidente da República a transformava também em corresponsável pelos escândalos da família Guerra.
O marqueteiro João Santana, aliás, é um dos melhores analistas políticos da cena brasileira, com a vantagem de vivê-la por dentro, e não perde o hábito de jornalista quando relata suas campanhas passadas.
Logo depois da eleição de 2006, em entrevista ao mesmo Fernando Rodrigues da "Folha", revelara que a discussão sobre as privatizações fora utilizada como maneira de reavivar "emoções políticas" no imaginário do brasileiro comum.
Santana admitia na entrevista que a impressão de que "algo obscuro" acontecera nas privatizações deveu-se a um "erro de comunicação do governo FH, que poderia ter vendido o benefício das privatizações de maneira mais clara".
O erro do PSDB fora, segundo ele, "não ter defendido as privatizações como maneira de alcançar o desenvolvimento". No caso da telefonia, "teve um sucesso fabuloso" que não foi capitalizado pela oposição, dizia ele.
João Santana foi claro quando respondeu se não seria desonesto explorar sentimentos que ele sabia não exprimirem a verdade: "Trabalho com o imaginário da população. Numa campanha, trabalhamos com produções simbólicas."
Hoje, a produção simbólica tenta transformar Dilma em uma soberana, acima das divergências partidárias. E transformar a realidade também.
Durante a campanha eleitoral, a candidata Dilma Rousseff garantia, naquela sua maneira rude de falar que anda sumida, pelo sucesso da quase mudez: "Não vou fazer ajuste fiscal em hipótese alguma. O Brasil não precisa de ajuste fiscal."
O "ajuste fiscal" de R$50 bilhões anunciado agora pelo governo, necessário para reequilibrar as contas públicas, não é chamado de "ajuste fiscal", e sim de "consolidação orçamentária".
E assim o novo governo vai seguindo os passos do antecessor, fazendo as inevitáveis maldades nos primeiros momentos, por uma necessidade criada por ele mesmo.
Em 2003, Lula assumiu o governo com a inflação em alta, teve que chamar para chefiar o Banco Central um banqueiro tucano que aumentou os juros sem piedade, tudo pelo pavor que inspirava ao mercado financeiro a eleição daquele revolucionário petista que já não existia mais, mas cuja imagem persistia assombrando os mercados internacionais.
Hoje, os mercados dão de barato que o governo não deixará que a situação saia de controle, e por isso fizeram vistas grossas aos gastos excessivos dos últimos anos, aos déficits de conta corrente, à inflação fugindo do centro da meta em direção ao teto, querendo ultrapassá-lo, principalmente para as classes mais baixas.
Ao conter o aumento real do salário mínimo dentro da regra acertada, a presidente Dilma Rousseff nada mais está fazendo do que tentar tapar os buracos que foram feitos para elegê-la.
É uma dura realidade, cujas consequências não serão superadas com "produções simbólicas" nem "espaços imaginários", com os quais a "rainha" consiga satisfazer seus "súditos".
Entrevista:O Estado inteligente
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