O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/02/11
Desde o início da crise de 2008, a defesa do protecionismo tornou-se mais vigorosa e diversificada no Brasil. Um traço comum aos que advogam essa estratégia é a simpatia pelos instrumentos de política econômica usados no País entre as décadas de 1930 e 1980. As elevadas taxas de crescimento do PIB continuam na memória de todos, ao mesmo tempo que outras características do período são devidamente esquecidas, como a destruição gradual da moeda, a formação de um parque industrial que não investia em progresso técnico e o perfil de distribuição de rendas.
Um fato histórico que os defensores de medidas restritivas às importações parecem ignorar é o de que as crises de 1929 e 2008 provocaram impactos opostos sobre o balanço de pagamentos do País. No momento do colapso da Bolsa de Valores de Nova York, nossas reservas internacionais eram de cerca de 30 milhões de libras, reduzidas a zero em 1931. Além disso, nos dois primeiros anos daquela crise, a taxa de câmbio desvalorizou-se em mais de 60%.
Em contraposição, entre 2008 e 2010, as reservas subiram de US$ 194 bilhões para US$ 289 bilhões, mantendo o processo de acumulação iniciado em 2000, quando o montante foi de apenas US$ 33 bilhões. No segundo semestre de 2008, a taxa de câmbio sofreu uma desvalorização de 35%, mas, logo em seguida, retomou a trajetória de apreciação, em vigor desde 2004.
O desafio que o governo enfrentava nos anos 30 era o de administrar uma economia submetida a uma restrição cambial aguda e sem perspectiva de superação. As medidas defensivas adotadas responderam àquele desafio, e, nas quatro décadas seguintes, o controle permanente sobre as importações permitiu a implantação do parque industrial mais diversificado entre os países em desenvolvimento da época. A contrapartida dessa façanha foi a geração de um conjunto de distorções domésticas ainda não superadas totalmente.
O desafio atual é bem distinto: assegurar a sobrevivência da indústria nacional, num contexto marcado pela apreciação duradoura da taxa de câmbio, sem risco iminente de crise cambial. Dados os padrões de competição gerados pela revolução contemporânea nas tecnologias de informação, a política industrial apta a lidar com esse desafio tem duas prioridades: reduzir os custos de transação na economia brasileira e elevar o ritmo das inovações na indústria.
A redução dos custos de transação depende não apenas da execução de reformas ainda pendentes na agenda de políticas públicas, como a tributária e a trabalhista, mas também da correção de falhas advindas de algumas das mudanças realizadas nas duas últimas décadas. Um exemplo notável de obstáculos recém-criados é o atual marco institucional do setor portuário, que reúne um conjunto de normas mal definidas e contraditórias.
Se a indústria nacional não for capaz de elevar seus níveis de eficiência produtiva, certamente continuará perdendo espaço para os competidores externos. Para evitar isso é indispensável reduzir custos domésticos de transação, que são mais elevados do que os vigentes nos principais parceiros comerciais do País. Mas qualquer medida nessa direção implica não apenas mudanças normativas complexas, mas a eliminação de fontes de renda para alguns agentes econômicos resistentes às mudanças.
Uma forma de eludir esse conflito seria a de retornar aos controles sobre as importações. Mas essa opção restauraria um estilo de política econômica que, durante décadas, inibiu o desenvolvimento tecnológico da empresa privada nacional, exacerbou a iniquidade social e desorganizou as finanças públicas. O governo Dilma já indicou, ainda que parcialmente, suas preferências, ao manter a independência operacional do Banco Central, o câmbio flutuante e o regime de metas de inflação.
Entretanto, não significa que as pressões protecionistas desaparecerão. As propostas que confundem política industrial com reserva de mercado, ignoram o conceito de preços relativos e desprezam benefícios de uma moeda conversível continuam, infelizmente, a desfrutar de prestígio intelectual no País.