O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/02/11
Quando os ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo propuseram um plano de corte gradual nos gastos do governo até zerar o déficit público nominal, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, desqualificou a ideia, acusando-a de "rudimentar". Dilma ganhou a briga e o plano, o lixo. Cinco anos depois, no papel de presidente, e Palocci, no de seu principal ministro, Dilma começa a gestão efetuando um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento do governo. Se em 2005 concordasse com a proposta de Palocci, muito provavelmente o desequilíbrio fiscal seria hoje uma página virada e Dilma estaria cuidando de planejar investimentos em vez de cortá-los.
Mas a trajetória de crescimento econômico seria a mesma? Difícil prever com exatidão um futuro que não aconteceu. Mas o quadro econômico da época era favorável, o mundo surfava numa onda de crescimento que sustentou a expansão do PIB no País por pelo menos três ou quatro anos. Ou seja, mais do que o mercado interno, a economia externa garantiu o aumento de produção nesse período. Portanto, cortes de despesas do governo pouco afetariam o desempenho econômico. O plano Palocci/Bernardo veio num momento raro na história, uma oportunidade ímpar para o País resolver seu dilema fiscal que, desde a ditadura militar, impede a queda dos juros, expande a dívida pública e cria riscos ao crescimento contínuo e sustentado.
Às vezes a vida impõe lições que só aprendemos depois do erro. No governo passado, Dilma errou. Por inexperiência? Provavelmente. Por arroubos ideológicos? Certamente menos. Embora trouxesse na bagagem um modelo de ação em que o Estado não apenas regula, mas interfere, ocupa espaços que não deve e nem a ele cabem. Por vezes confundiu funções de Estado com de governo. Caso das agências reguladoras.
Em 2003, Dilma rejeitava a ideia de dar às agências autonomia de ação e decisão, caracterizando-as como funções típicas de Estado. Enfraqueceu-as e transferiu suas atribuições para os ministérios. Não entendeu que para bem servir a população as agências precisam estar longe de onde atuam os políticos, propondo suas barganhas e favores. Mas ela aprendeu com o erro. Tanto que, no discurso da vitória, garantiu: "As agências reguladoras terão todo meu respaldo para atuar com determinação e autonomia". Dilma hoje é diferente da arrojada e estreante ministra de Minas e Energia do passado. E, aparentemente, sem traumas ideológicos.
Embora esse corte de R$ 50 bilhões (6,1%) seja maior do que o de 2003 (5,13%), o mercado financeiro olhou atravessado e a desconfiança refletiu-se no mercado futuro de juros, que subiu em vez de cair. Diferentemente do corte de 2003 - anunciado por Palocci e Mantega (esse, ministro do Planejamento na época) e recebido com confiança, até susto. E por que agora não?
Entre outras razões, o desempenho de Mantega em relação aos indicadores econômicos de 2010 deixou sequelas. Afinal, ele passou o ano inteiro insistindo em que a meta cheia de superávit primário seria rigorosamente cumprida - e não o foi. Recorreu a maquiagens grosseiras (empréstimos ao BNDES e capitalização da Petrobrás) para engrossar a receita, desmoralizando o contorcionismo matemático do governo. E, finalmente, deixou correrem livremente os exagerados gastos eleitorais de Lula. Se o ministro é o mesmo, como confiar?
Os analistas esperam o detalhamento dos cortes - prometido para a próxima semana - para uma avaliação mais segura do futuro. Oxalá a descrença seja desfeita. Mas, se o ministro aparecer com novo empréstimo ao BNDES, transformando débito em crédito, não há como recuperar a confiança.
Na quarta-feira, Mantega deu três alternativas de destino à eventual sobra, caso a receita fiscal engorde a meta definida. Nenhuma delas contempla pagar o principal e reduzir o estoque da dívida pública. Se assumisse com seriedade tal compromisso, poderia abrir caminho para restabelecer a credibilidade. E daria uma chance à presidente Dilma de corrigir o erro cometido em 2005.
Entrevista:O Estado inteligente
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