Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 14, 2009

Cuidado com esse plebiscito, gente! - Sandra Cavalcanti



O Estado de S. Paulo - 14/04/2009
 

 

Já dá para perceber que a "marolinha" começou a atrapalhar os planos continuístas de Lula. Vinha tudo, até agora, em céu de brigadeiro. Ou em mar de rosas, como se diz. Lá fora, o mundo endinheirado comprava o que sempre produzimos aqui dentro. O dinheiro que entrava gerava muitos empregos e, principalmente, muitos tributos! Os cofres dos governos, agindo como sócios escravagistas dos que trabalham, ficavam com mais de 37% do produto interno bruto. Uma barbaridade! Durante esses anos dourados, a Nação foi sangrada, sem dó nem piedade. Foi um período extremamente favorável para desvios de recursos públicos, superfaturamentos, licitações fraudulentas, comissões, compras de votos.

Se pelo menos o governo tivesse aplicado bem o que arrecadou... Mas isso não aconteceu. De 2002 para cá, a maior parte foi sempre destinada ao custeio dos Poderes, aos gastos com funcionalismo, a programas supostamente sociais, mas, na verdade, fontes permanentes de clientelismo e demagogia. O disfarce é a guerra à pobreza e projeto de inclusão social.

Essa inacreditável lambança, escancarada e cínica, que já vai para mais de seis anos, não havia encontrado ainda o menor eco na consciência cívica de mais de 80% do eleitorado. Qual a causa desta anestesia? Por que o povo não fica mais indignado? Porque a comunicação oficial diz a ele, o tempo todo, que a lambança é geral, antiga, e não é só do atual governo.

Está certo. Ela é geral, mas, acima de tudo, muito brasiliense. Muito espalhada por lá e infiltrada em todos os escalões, onde é vista com muita complacência, com muita leniência e com muita cumplicidade.

Muito dinheiro para grandes empresas. Muitos lucros para o sistema financeiro. Muitos projetos para profissionais. E, principalmente, muita presença na mídia! E tudo sem vigilância do povo, em volta. Na ilha da fantasia. A força da comunicação oficial é impressionante. Nossa História está cheia de exemplos de bons comunicadores que conseguiram iludir muita gente. Brizola, por exemplo, tentou levantar as massas para desobstruir, por golpe, o impedimento constitucional que lhe vedava disputar as eleições presidenciais marcadas para 1965. Sem essa tentativa de golpe, levada adiante por ele e Jango, não teria havido a reação de 1964! Hoje em dia, pela força de versões sempre repetidas, a atual geração acha que o 31 de Março foi um golpe militar. Não foi. O verdadeiro golpe foi tramado por Brizola e deu errado. As Forças Armadas cumpriram o dever constitucional de manter os Poderes funcionando: Judiciário, Congresso e Executivo. O episódio de 1966, esse, sim, foi típico de quem quer apoderar-se do governo. Quem dá golpe para chegar ao poder golpeia as instituições. O argumento principal é sempre o mesmo: "O Congresso está corrompido. Devemos fechá-lo. Temos de nos livrar dos congressistas, senadores, deputados, vereadores, enfim, das assembleias democráticas. Essa gente não presta!"

A mídia oficial encarrega-se de apresentar os golpistas como patriotas, puros, intocáveis. Enviados dos deuses! Amigos dos pobres, dos negros, dos índios! Intangíveis! Vacinados contra todas as tentações!

A surpreendente ideia de convocar um plebiscito, apresentada pelo senador do PDT, do partido de Brizola, faz honra ao seu fundador. Se o plebiscito for bem elaborado, bem manipulado e bem orientado pela rede oficial de comunicações, fazendo insidiosa e permanente campanha de desmoralização dos parlamentares e endeusamento do atual presidente, certamente o povo vai querer ver-se livre do Congresso. Basta ler as manifestações dos leitores e eleitores, na imprensa e na internet. Vai ser difícil defender a tese contrária. Quem vai dizer que este Congresso é formado de santos e que eles não merecem tal repúdio? A maioria merece, sim! Mas eles merecem como indivíduos! Cada qual carregando a sua parcela pessoal de responsabilidade. A instituição não faz nada sozinha. Desde o episódio do mensalão, ela está desmoralizada. Os escândalos se repetem. O curioso é que fatos que já ocorrem há quase um quarto de século só agora são trazidos à tona e postos na berlinda.

A impunidade dos autores do episódio do mensalão é a radiografia mais fiel e cruel do nosso sistema político e de governo. Mostrou como é absurdo manter o voto proporcional. Mostrou como é absurdo não ter um Orçamento impositivo, para valer. Mostrou como é terrível não poder derrubar governos corruptos, ou ineptos, por meios legais, consagrados. Mostrou como o povo não tem a menor força depois que aperta o botão da urna eletrônica. Mostrou a farsa das nossas Assembleias estaduais e a miragem de mais de 78% de nossas supostas prefeituras. Veio tudo à tona. Veio tudo na imprensa livre, mas veio bem "trabalhado" na mídia oficial.

Até agora o povo estava acomodado. Feliz com algumas conquistas de ordem material: celular, TV a cores, DVD, carro em 60 prestações, crédito consignado para idosos, comida mais barata, viagens de avião.

Mas, como algumas nuvens escuras começam a rondar os céus, o tal plebiscito tem de ser feito já. Antes que o povo acorde. O primeiro passo já foi dado: a súbita proposta feita por um senador que não é do PT. Boa jogada!

Se passar, só temos uma saída: lutar para que ele não seja tão manipulado e falseado como os anteriores, que consagraram esse nosso presidencialismo podre, em que o Executivo julga, legisla e governa sem controles. Será que teremos condições para enfrentar o rolo compressor da mídia oficial?

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