Em São Paulo, por razões que não cabe discutir aqui, o Masp e a Bienal têm vivido momentos de crise e de dificuldades internas e externas.
Nessas duas instituições, há décadas, práticas aceitáveis à época de sua criação passaram a ser percebidas como pouco eficientes pela opinião pública. O déficit de gestão, aliado à reduzida disponibilidade de recursos do poder público para subsidiá-los, explica em larga medida as dificuldades que atravessam esses dois ícones culturais da cidade.
Ao contrário de quando as instituições foram criadas, seus modelos de gestão estão hoje superados. Embora ainda precário, nosso estágio de maturidade institucional permite alternativas em que a sociedade civil poderia preencher o vazio criado pelo desaparecimento dos mecenas que fundaram os grandes museus do após-guerra. Sua governança precisa ser aperfeiçoada.
Nesse contexto, a Fundação Bienal está por renovar a direção que, nos próximos dois anos, terá a responsabilidade de preparar sua 29ª Mostra Internacional, em 2010. Sondado para assumir a direção da fundação, apesar do apoio e do interesse manifestados por seu Conselho de Administração e pelos governos do Estado e da Prefeitura, tive de declinar, sobretudo por falta de suficiente apoio financeiro oficial, indispensável nos dias que correm, em vista da crise econômica que afeta a todos.
As notícias das últimas semanas mostram a extensão da crise e seus efeitos sobre o apoio financeiro para as iniciativas culturais. O Ministério da Cultura já contabiliza uma forte redução nos recursos originários da Lei Rouanet, pela retração das empresas, temerosas do efeito da rápida desaceleração da economia sobre seus lucros. As propostas do Ministério da Cultura para mudanças na sistemática da lei de incentivo à cultura introduzem um elemento adicional de incerteza. Empresas tradicionalmente apoiadoras de atividades culturais, como Petrobrás, Vale, Telefônica, Vivo, Tim, Oi e outras dão indicações de que revisarão para baixo suas contribuições e seus apoios em 2009. Os recursos da Prefeitura, anualmente alocados para a organização da Mostra Internacional, são importantes, mas claramente insuficientes para a realização da mostra em 2010, sem apoios adicionais.
Levando em conta a importância da Bienal para São Paulo e as dificuldades para conseguir fundos significativos de empresas patrocinadoras, o poder público, em todos os níveis - federal, estadual e municipal -, deveria oferecer o respaldo financeiro necessário para que a Fundação Bienal possa cumprir a sua missão. O esforço adicional de levantamento de recursos de outras fontes deve ser feito e, certamente, apesar das circunstâncias, a comunidade paulista dará sua contribuição. O eventual apoio privado deve ser visto, contudo, apenas como complementar.
Caso se consiga o apoio oficial, a nova administração da Fundação Bienal, nos próximos dois anos, precisará garantir uma gestão eficiente, com transparência e diálogo. A próxima Bienal será a da crise econômica internacional, o que demandará um ainda maior esforço e criatividade, pela dificuldade circunstancial de levantar recursos.
A Fundação Bienal, como sociedade civil, sem fins lucrativos, também deve ser repensada para se ajustar às novas realidades e às novas demandas. Como melhor utilizar o espaço nobre de exposições do Ibirapuera durante o intervalo entre uma e outra Bienal. Em breve, a coleção do Museu de Arte Contemporânea (MAC) depositada no terceiro andar vai ganhar um museu próprio e os espaços para exposições vão aumentar.
O programa de trabalho, a ser executado pela nova diretoria, deveria ser tornado público. Nele deveriam constar novas ideias para maximizar os recursos da fundação e reduzir seus custos. A renovação de convênios com o Itamaraty e com a Apex, em bases mais favoráveis para a fundação, daria continuidade ao trabalho conjunto de apoio, por parte da Bienal, a exposições organizadas pelo Itamaraty no exterior, em especial na Bienal de Veneza, e a participação de galerias em feiras de arte no exterior.
A 28ª Bienal procurou estimular uma reflexão sobre o seu papel e seus curadores acabam de apresentar amplo e importante relatório que merece ser examinado e discutido. Cabe agora definir os rumos da Bienal em 2010. A dificuldade na escolha da direção da fundação está atrasando a seleção do próximo curador, o que poderá acarretar prejuízo para a Mostra Internacional. O formato tradicional da Bienal deveria ser recuperado. O meio artístico e a sociedade em geral sempre se farão ouvir na crítica ao conteúdo, mas a proposta da Bienal de São Paulo deve ser preservada, obviamente que adaptada às transformações por que passou o mundo das artes.
A cidadania paulistana tem de se envolver para definir uma nova forma de apoio para preservar e ampliar um patrimônio que não é de São Paulo, mas de todos os brasileiros.
A fundação e a Mostra Internacional existem há mais de 50 anos e são reconhecidas internacionalmente. Seria uma perda irreparável para São Paulo se a Bienal tiver de ser suspensa, em decorrência da falta de apoio oficial.
A Bienal tem de ser vista dentro de uma dimensão mais ampla, e não como uma questão isolada. O decisivo apoio governamental - a título excepcional, neste momento de crise - é condição essencial para um trabalho responsável para restaurar o prestígio e a repercussão internacional da Bienal.