O Estado de S. Paulo - 15/04/2009 |
Juntem-se as provas de que a Operação Satiagraha produziu estoque de material paralelo à investigação sobre o banqueiro Daniel Dantas; acrescente-se a elas a confirmação do delegado Protógenes Queiroz de que agiu para atender a interesse da Presidência da República; a esses dois fatos adicione-se a recusa do ex-chefe da Abin Paulo Lacerda de voltar à CPI dos Grampos para explicar os detalhes obscuros da operação. Não é necessário expertise de estrategista, basta somar e aplicar rudimentos da lógica mais elementar para perceber nitidamente a existência de uma situação no aparelho de Estado, no mínimo, mal contada e, no limite, altamente suspeita. O delegado Protógenes, verdade seja dita, não é hoje o personagem mais digno de fé da República, dada a quantidade e variedade das idas e vindas nas versões por ele apresentadas sobre sua atuação como chefe da Operação Satiagraha. Se visto como louco ou incapaz, mentiroso ou vingativo, candidato a salvador da pátria ou oportunista explorador da utopia alheia, suas palavras, isoladamente, não seriam dignas de crédito. O problema é que o que o delegado Protógenes diz em boa medida encontra sustentação nos indícios recolhidos pela Polícia Federal na investigação sobre a atuação dele à frente de uma operação montada para capturar um banqueiro acusado de usar métodos empresariais escusos e que acabou relevando a manipulação oficiosa do aparato oficial de segurança. Ainda não se sabe exatamente por ordem de quem e para atingir quais objetivos. Fato é que um delegado recebeu salvo-conduto para agir livremente ao arrepio da hierarquia, teve à disposição recursos abundantes, contratou agentes no submundo da arapongagem originária do antigo SNI, arquivou em casa material recolhido em escutas ilegais sobre pessoas que nada tem a ver com o objeto do inquérito em si, distribui ilegalmente senhas de acesso a equipamentos de uso restrito e, de repente, esse mesmo delegado passa a ser tratado como fosse uma deformação nascida e criada por geração espontânea, sob a qual ninguém tem responsabilidade, cujos métodos heterodoxos e atitudes fundamentalistas são condenadas. Não obstante inverossímil, essa versão da história tem sido tacitamente aceita. De um lado por aqueles com dificuldade de raciocinar sem o maniqueísta instrumento da divisão entre o bem e o mal - Protógenes como a encarnação do santo guerreiro e Daniel Dantas no papel de dragão da maldade. De outro, pelos que deixaram o delegado "abandonado na pista" quando as coisas começaram a dar errado. Mal comparando, como os militares encarregados de explodir a bomba no Riocentro depois de o artefato explodir no colo deles. Até o depoimento do delegado semana passada na CPI, a história pôde vingar. Protógenes calou sobre qualquer coisa que pudesse incriminá-lo, não confirmou nem desmentiu depoimentos anteriores. Mais eis que ontem o repórter Vasconcelo Quadros publica no Jornal do Brasil uma entrevista do delegado em que ele retoma primeira versão contada ao Ministério Público do Distrito Federal, segundo a qual atuou em "missão presidencial" sob a coordenação direta do então diretor-geral da Polícia Federal e depois chefe da Agência Brasileira de Inteligência, Paulo Lacerda. Para demonstrar a veracidade do que diz, convida o público a "prestar atenção na estrutura que colocaram à minha disposição". E reforça: "Por que me dariam essa estrutura se não houvesse interesse do governo? O que não consigo entender é por que as coisas mudaram de uma hora para outra. As investigações voltaram-se contra o investigador." Reclamou de ter sido deixado "sozinho" e queixou-se da mudança de atitude de Paulo Lacerda. Antes, o recebia sempre para orientar sobre o andamento da investigação. Depois que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, denunciou ter sido grampeado ilegalmente e estar sendo alvo de tentativa de constrangimento moral, Lacerda foi exonerado, promovido a adido policial na embaixada brasileira em Lisboa e afastou-se de Protógenes. "Ele me recebeu por apenas 15 minutos e fez questão de encerrar logo a conversa", contou o delegado ao JB. Por que externar a mágoa depois de ter calado na CPI? Policial experiente, bem-sucedido em várias operações contra criminosos de colarinho-branco, sabe, sim, por que as "investigações se voltaram contra o investigador". Porque ele cometeu ilegalidades e quem deixou que fossem cometidas não queria se associar ao executor das ações subterrâneas na hora da adversidade. Há, portanto, um dilema posto: ou bem o delegado Protógenes mente e delira e, sendo assim, não cabe no figurino de salvador do Brasil ou sabe o que diz. Nessa hipótese, está dizendo ao País que o Estado dá guarida a grupos que atuam ao arrepio dos controles sociais e institucionais, em nome de fins incertos, mediante meios que não se justificam, pondo em risco a democracia e fazendo letra morta de profissões de fé de intenções republicanas. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, abril 15, 2009
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